?Tenho 70 anos, sou diretor científico do Instituto Europeo di Design e designer por acaso: estudei Escultura na Universidade de Brera, em Milão e, depois, colaborando em estúdios de designers, aprendi o ofício. No IED, ajudo a desenvolver as linhas mestras do trabalho que faremos até 2030.?
Conte algo que não sei.
Vou contar-lhe algo que poucas pessoas no mundo sabem: existem vários designs italianos, mas o que normalmente chamam de design italiano é, na verdade, um design milanês, e foi criado pela necessidade de a Igreja Católica responder à Reforma Protestante.
Como assim?
Quando Martinho Lutero fixou suas 95 teses, em 1517, a Igreja tinha que dar uma resposta. O Papa convocou o Concílio de Trento, e uma das principais preocupações era em relação à imagem da Igreja ante as provocações de Lutero a respeito do seu luxo. Aí surge nesse concílio Carlo Borromeo, um cardeal milanês que estipula regras que apontam para economia e austeridade.
E como isso se refletiu?
Se você for a Milão, notará que a maioria dos edifícios antigos tem entradas pequenas, porque partem do princípio de que a beleza do interior não deve ser ostentada. Borromeo ordenou que os edifícios nunca exibissem seus quatro lados ao público, e os prédios milaneses têm muito pouco espaço entre si. Portanto, quando você entra num ambiente e vê um objeto que não se revela totalmente ao primeiro olhar, mas que prende sua atenção contra todos os objetos que estão nessa sala, aí você tem a influência do design milanês. O design é uma arte da escassez, com origem nas classes médias e que trabalha com um sentido de economia de material. O que me deixa bastante espantado com o tipo de móvel que se faz no Brasil, totalmente diferente.
Em que sentido?
No Brasil, vocês fazem umas cadeiras pesadas, de 8kg, 9kg, mesmo em restaurantes. Com a mesma quantidade de material de uma delas, nós faríamos três. Aqui, vocês têm abundância, enquanto para nós a madeira é cara. É natural que a cama e a mesa, que são dois lugares onde dois rituais bastante definidos ocorrem, sejam pesados. Mas cadeiras?
Entre suas criações, vi uma mesa de centro quadrada chamada Apocalypse Now, em que há uma luminária em seu centro. Como ela surgiu?
Da observação. É comum as salas terem esta disposição (desenha): dois sofás em 90 graus, com uma mesinha no ângulo entre eles. Nessa mesa, uma luminária. Aí você convida amigos para jantar e depois todos vão para os sofás. O que sucede é que quem está perto da luminária fica com luz excessiva e conversa, enquanto os mais distantes da luz não interagem. Aí, o que ocorre?
A conversa morre?
Exato, e a noite se perde. Minha intenção era retornar ao velho hábito da Humanidade, em que as pessoas se sentavam em volta da fogueira e, com a luz igualmente distribuída, conversavam. Essa mesa ainda brinca com a mania de limpar as coisas, para deixá-las como novas, aquela coisa de sempre passar um pano. Pois eu a fiz com um tipo de aço que se deixa marcar. Se você deixar um copo, ele deixará não sujeira, mas leves traços no aço.
Uma ideia que você pode ter após uma discussão conjugal (risos). Mas, por quê?
Qual é a diferença entre uma mesa do século XVIII e uma idêntica feita hoje? O uso. As marcas de uso contam a história, e nós pagamos caro por ela. Meu irmão tem uma mesa igual à minha, que ele usa para jogar cartas e beber, e é impressionante como a geografia do uso é totalmente diversa.