Cotidiano

Festival de Veneza: Após 'Pina', Wim Wenders lança drama intimista em 3D

VENEZA ? Tecnologia popularizada por superproduções recheadas de ação e efeitos especiais, o 3D continua a estimular a curiosidade dos que fazem carreira fora do circuito comercial. Exibido ontem na competição do 73º Festival de Veneza, ?Les beaux jours d?Aranjuez? é a segunda experiência de Wim Wenders com o cinema estereoscópico ? a primeira, ?Pina?, documentário sobre o trabalho da coeógrafa Pina Bausch, morta em 2009, estreou no Festival de Berlim de 2011. Links Veneza

Desta vez, o premiado diretor alemão aplica a técnica a um drama intimista, de inspiração teatral, construído em torno de uma longa conversa entre um homem e uma mulher, que toma lugar nos jardins de uma casa de campo nos arredores de Paris.

Adaptação da peça homônima escrita por Peter Handke, roteirista de ?Asas do desejo? (1987), um dos filmes mais memoráveis de Wenders, o novo trabalho é protagonizado por personagens sem nome, saídos da cabeça de um escritor (Jens Harzer). De dentro de seu escritório, ele imagina um diálogo sobre experiências sexuais, memórias de infância e diferenças entre as perspectivas feminina e masculina acontecendo diante de seus olhos, entre árvores e flores banhadas pelo sol de um verão qualquer. ?Les beaux jours d?Aranjuez? abre com imagens de uma Paris vazia de seres humanos e se afasta da cidade até encontrar o escriba em meio à natureza, ocupado com a máquina de escrever e uma antiga jukebox.

? Escolhemos como locação uma casa em que (a atriz francesa) Sarah Bernhardt viveu por alguns anos, no meio da mata das colinas que cercam Paris, e de onde se tem uma bela vista da silhueta da capital francesa, no horizonte. Trata-se de um extenso diálogo entre um homem e uma mulher, em um lugar que pode ser descrito como o Jardim do Éden, o paraíso bíblico, original. O 3D me deu a possibilidade de colocar o espectador nesse lugar, onde podemos ouvir o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas das árvores ? justificou o diretor de 71 anos, que usou uma câmera dupla, que simula os olhos direito e esquerdo, dando a sensação de profundidade de campo. ? É uma técnica mais gentil e terna para esse tipo de assunto do que o 2D.

?Les beaux jours d?Aranjuez? é o primeiro texto de Handke escrito diretamente para a língua francesa ? e o primeiro filme de Wenders falado em francês. O ?homem? e a ?mulher? são interpretados respectivamente por Reda Kateb e Sophie Semin, e o músico Nick Cave, velho amigo e colaborador do diretor, e o próprio Handke aparecem em participações especiais.

‘FORAM DO TEMPO’

No roteiro da peça, o escritor resume o texto como ?um diálogo fora do tempo, da notícia e de qualquer contexto histórico e social?. Wenders chegou a considerar a proposta de montá-lo nos palcos, mas em função da natureza dos temas discutidos e do tipo de ambientação que pedia, achou mais apropriada uma versão filmada em locação real.

? A peça é repleta das questões sobre o relacionamento entre homem e mulher, e as perspectivas de cada um sobre o mundo, mas o filme não pretende responder a nenhuma delas ? disse Wenders, coautor, com o brasileiro Juliano Ribeiro Salgado, do documentário ?O sal da Terra? (2014), indicado ao Oscar do gênero. ? A relação entre homem e mulher já motivou guerras, mas também uma das melhores coisas do mundo, que são as histórias de amor, inclusive em filme. Hoje em dia parece que o diálogo entre os dois encolheu, no meio dessa discussão sobre gêneros. Então, acho que o texto do Handke chega em um momento bastante oportuno.

* Carlos Helí de Almeida está hospedado a convite do festival

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