Opinião

O gênero proibido

Existe grande curiosidade nos detalhes das histórias míticas, talvez porque sejam sucintas e deixem espaço a imaginação. Há quem diga que o homem deve ser o provedor, porque quando Eva providenciou o fruto proibido, eles foram expulsos do paraíso. Ou ainda, que sedenta por ser ouvida, ao lado de Adão, que não lhe escutava, Eva atentou-se a companhia da cobra que estava disposta a ouvi-la. Porém, de certa forma, todas essas elucubrações sobre o gênesis da vida humana, já desenham a culpa da mulher, como a pecadora original.

Verdadeiramente, houve o tolhimento dos direito femininos por largo espaço de tempo, por serem bruxas ou incapazes de discernir entre o certo ou o errado. Seu papel na trama familiar e social estava limitado à procriação e à manutenção da prole. Um papel público para mulheres beirava à insanidade há algum tempo, sendo que o espaço de poder era exclusivo aos homens. Não só ao feitio das leis, como na defesa delas. Ainda hoje o espaço jurídico contém traços evidentemente masculinos, mesmo as mulheres devem usar ternos e em cores sóbrias, a fim de que não fujam ao decoro.

Apesar dos revezes, contudo, a pressão social, bem como o avanço doutrinário, garantiu algumas modificações legislativas que visam à isonomia às mulheres frente ao sexo oposto. Não são privilégios ou regalias, são instrumentos de equiparação de gênero. Imagine três pessoas de tamanhos bem diferentes em frente a um muro com visão para um show: o mais alto consegue ver só por estar de pé, o mediano depende do auxílio de uma pequena banqueta, enquanto o mais baixo precisa de uma escada a fim de que tenha o mesmo ângulo de visão. Isso é dar a cada um o que é devido de acordo com suas diferenças e necessidades para alcançar a justiça. É o que se chama de isonomia.

Para que as mulheres pudessem estar em pé de igualdade com os direitos dos homens (que podem votar desde a Grécia Antiga), conseguiram o direito ao voto há 92 anos. Para que possam trabalhar e gerenciar sua renda e patrimônio de forma independente, foram tidas como capazes há 22 anos. Para se defenderem da violência de seus companheiros no silêncio do lar, detém proteção especial há pouco mais de 17 anos. Para que sejam consideradas suas vulnerabilidades processuais, existem diretrizes ao Judiciário há aproximadamente 03 anos. Os direitos femininos são conquistados em processos lentos e complexos, sempre questionados sob o prisma da igualdade (ainda que ela pouco exista na práxis).

O protocolo para julgamento com perspectiva de gênero se relaciona a políticas nacionais para isonomia de gênero e enfrentamento de violência que ocorre também pelas mãos do Poder Judiciário. Foi publicado após a condenação do país por violação a direitos humanos, determinando a necessidade de consideração da violência estrutural em relação às minorias para que não haja repetição de estereótipos, com culpas pré-estabelecidas, nem na perpetuação de desigualdades.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito