Cotidiano

Recurso do MP para que condenados da boate Kiss sejam presos vai ao STF

O cumprimento das penas foi fixado como inicial fechado

Recurso do MP para que condenados da boate Kiss sejam presos vai ao STF

 

Porto Alegre – Recurso elaborado pelo Ministério Público gaúcho para tentar prender os quatro condenados pelo incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas foi encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal). A tragédia aconteceu em 27 de janeiro de 2013 e os acusados foram sentenciados a penas que variam de 18 anos a 22 anos de reclusão, na sexta-feira (10), após 10 dias de julgamento. A sentença foi lida pelo juiz Orlando Faccini Neto.
A Elissandro Spohr, foi aplicada pena de 22 anos e seis meses de reclusão, e a Mauro Hoffmann, de 19 anos e seis meses. Ambos eram sócios da casa noturna. A Marcelo de Jesus e Luciano Bonilha, integrantes da banda Gurizada Fandangueira, foram aplicadas penas de 18 anos de reclusão. Todos eram acusados pelo Ministério Público por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio por dolo eventual.
O cumprimento das penas foi fixado como inicial fechado. O juiz determinou a prisão dos quatro réus, mas, em razão de um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça (TJ) à defesa de Elissandro, foi suspensa a prisão de todos, até a medida ser analisada pelo colegiado.
Inicialmente, aos quatro réus foi imputada a prática de homicídios e tentativas de homicídio, praticados com dolo eventual, qualificados por fogo, asfixia e torpeza. No entanto, as qualificadoras foram afastadas, e eles responderam por homicídio simples.

Na decisão proferida, o magistrado mencionou a dor das famílias ante a perda de seus filhos. Referiu que um juiz do júri acaba se deparando inumeráveis vezes com pais ou mães que comparecem em audiências ou plenários chorando a morte dos seus filhos. “Isso, entretanto, nunca pode ser naturalizado, e mais do que isso, parece potencializado quando a experiência da morte deixa de ser algo individual para constituir-se numa dimensão coletiva. Foram mais de 240 mortes e a expressividade do número de vítimas não divide ou arrefece as dores ou tragédias pessoais, multiplica-as”, disse o juiz.

“Os dados do processo indicam, sem qualquer margem para dúvida, a presença de intenso sofrimento, decorrente das razões pelas quais morreram as vítimas. Quem, num exercício altruísta, por um minuto apenas buscar colocar-se no ambiente dos fatos, haverá de imaginar o desespero, a dor e o padecimento das pessoas que, na luta por sua sobrevivência, recebiam, todavia, a falta e a ausência de ar, os gritos e a escuridão, em termo tão singulares que não seria demasiado qualificar-se tudo o que ali foi experimentado ao modo como assentado pela literatura, ‘o horror, o horror’”, refletiu o Juiz.

 

Questionamento

O juiz Orlando Faccini Neto, ao decretar a prisão dos réus, agiu com base em interpretação, incluída no Pacote Anticrime aprovado ano passado pelo Congresso, de que condenados a penas iguais ou superiores a 15 anos terão executada a pena de prisão logo após a sentença. A modificação consta no Código de Processo Penal.

E foi essa mudança, que acelerou a prisão de sentenciados, que foi questionada por advogados e ainda é discutida no STF. Alguns magistrados não concordam com ela. É o caso do desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça-RS, que concedeu habeas corpus mantendo livres os quatro réus condenados pelo incêndio da boate Kiss. Ele considera que os acusados não oferecem perigo que justifique mantê-los presos enquanto movem recursos contra a condenação: “Cumpre salientar ainda que, passados esses mais de oito anos, nem o paciente nem qualquer dos outros réus se envolveu em algum fato delituoso ou deixou de comparecer aos atos processuais”, justificou o desembargador, ao conceder habeas corpus preventivo aos acusados (antes de ser determinada a prisão).

 

Recursos

O fim de semana, promotores de Justiça e procuradores redigindo recursos para o TJ (agravo regimental) e ao STF (pedido de suspensão de liminar). No TJ, o agravo deve ser apreciado pela 1ª Câmara Criminal, a mesma a que pertence o desembargador Martinez Lucas. Serão três magistrados a decidir, incluindo ele. O MP argumenta que a nova Lei Anticrime prevê prisão de condenados a penas acima de 15 anos (como é o caso dos réus do incêndio na Kiss).

Já no STF o pedido de suspensão de liminar terá decisão do presidente do Supremo, Luiz Fux, que é o relator dessa questão. Ele pode, liminarmente, determinar a prisão dos quatro condenados, como pede o MP gaúcho.

 

Relembro o trágico caso

Era 27 de janeiro de 2013, e a Boate Kiss, localizada na área central de Santa Maria, sediou a festa universitária denominada “Agromerados”. No palco, se apresentava a Banda Gurizada Fandangueira, quando um dos integrantes disparou um artefato pirotécnico cujas centelhas atingiram parte do teto do prédio, que era revestido de espuma, que pegou fogo. O incêndio se alastrou rapidamente, causando a morte de 242 pessoas e deixando mais 636 feridos.

O Ministério Público é o autor da ação penal. Inicialmente, aos quatro foi imputada a prática de homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual, qualificados por fogo, asfixia e torpeza. No entanto, as qualificadoras foram afastadas e eles respondem por homicídio simples (242 vezes consumado e 636 vezes tentado).

A existência ou não de dolo (quando o agente assume o risco de cometer o crime) ocupou o cerne dos debates ao longo desses 8 anos. No dolo eventual, o indivíduo, mesmo tendo previsão do resultado, opta por praticar o ato. O autor prevê, admite e aceita o risco de produzi-lo (ele não quer, mas prevê o resultado e pratica). Para o Ministério Público, essa conduta se aplica aos 4 réus.

 

Foto: TJ-RS