Esportes

Livros de futebol deixam paixão de lado e apostam até em tática

Comprar livros de futebol já foi uma dificuldade. Não é mais. Especialistas calculam que 400 obras ? mais de uma por dia ? foram lançadas em 2014, no embalo da Copa do Mundo no Brasil. Se, por anos, as grandes crônicas ou relatos apaixonados por um único clube foram filões deste mercado, as editoras aos poucos passam a arriscar mais e procurar nichos dispostos a pensar no futebol independentemente do time do coração.

O mais recente exemplo foi o lançamento da versão em português de ?A pirâmide invertida ? A história da tática no futebol?, escrita pelo britânico Jonathan Wilson em 2008 e atualizada em 2013. Antes um assunto quase exclusivo para publicações técnicas, para quem estuda educação física ou aplica treinamentos, a tática do futebol já não causa estranhamento entre os que acompanham o esporte.

? Eu até estranho que não tenha chegado antes ? disse Gabriel Gobeth, da Editora Grande Área, fundada no ano passado para investir no mercado de livros de futebol. ? O mercado e o público amadureceram, mas um livro como esse já poderia ter sucesso há três ou quatro anos. Talvez a segmentação de falar de técnica e tática tenha repelido as editoras.

O título é o quinto da Grande Área, que, em seus primeiros meses, sustentou-se graças ao sucesso de vendas de ?Guardiola confidencial?, uma biografia escrita por Martí Perarnau em que aspectos táticos do jogo são alvo de grande atenção, assim como a personalidade do atual treinador do Manchester City, da Inglaterra. Quando a reportagem do GLOBO foi à Livraria Cultura Cine Vitória, no Centro, produzir a foto acima, o livro estava recém-esgotado ? mas a loja garante que uma nova remessa chegará em breve. Em março, chegará ao Brasil a continuação da biografia: ?Guardiola, a metamorfose?, ainda sem versão em português.

? Estaríamos em dificuldades se não tivéssemos o livro do Guardiola ? admite Gobeth.? A editora nasceu de conversas com um dos meus sócios. Como leitores, questionávamos o motivo de livros como esse não aparecerem no mercado brasileiro.

Há 20 anos, outra realidade

Editora que tem 20% de seus títulos ligados a futebol, a Panda Books já havia lançado em 2014 o livro ?Tática mente?, do jornalista Paulo Vinícius Coelho, da Fox Sports. Neste ano, o principal lançamento esportivo foi a biografia de Tite, da jornalista Camila Mattoso, da ?Folha de S.Paulo?. Fundador da editora, o jornalista Marcelo Duarte ? criador da série ?O guia dos curiosos?, que trata de vários assuntos, inclusive esporte ? lembra que nem sempre foi fácil encontrar títulos de futebol.

? Quando assumi a direção de redação da ?Placar?, em 1995, decidimos fazer uma biblioteca de futebol. Tínhamos um armário desses de duas portas e tivemos muitas dificuldades para encher de livros ? conta Duarte, que afirma que sua editora foi uma das primeiras a ?levar a sério o futebol?, mas faz ressalvas sobre o mercado. ? É bobagem quem acha que brasileiro gosta de futebol. Ele tem interesse em ler sobre seu time, mas não em qualquer momento. Tem que ser quando está bem.

?Muito a avançar?

Apaixonado por futebol, Daniel Louzada, que trabalhou por 17 anos na Saraiva antes de comprar a livraria Leonardo Da Vinci, afirma que o aumento significativo do número de biografias e livros-reportagem sobre futebol começou em 2010. Ainda assim, ainda vê um longo caminho pela frente.

? O tema foi alvo de preconceito durante muitos anos, mas ganhou respeito como objeto de estudo, seja ele antropológico, social ou com biografias de fôlego. Por muito tempo, era visto como ?ópio do povo?, algo que não merecia ser estudado, embora existissem exceções pontuais, como o ?O negro no futebol brasileiro? (de Mário Filho, em 1964) ? afirma Louzada, que aponta caminhos a serem seguidos. ? Pensando em grandes craques, o Zico não tem uma grande biografia. O Pelé também não. Se pensar como fenômeno social, relações políticas e com a história do Brasil, aí a realidade é ainda mais pobre. Não existem compilações e estudos de fôlego sobre a presença de negros no futebol. Há muito a avançar.