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Como uma startup da Estônia ameaça o reinado da Uber

Empresa que já opera em 30 países foi fundada por um adolescente de 19 anos que pediu dinheiro emprestado aos pais

Como uma startup da Estônia ameaça o reinado da Uber

A Uber costumava dominar o serviço de transporte privado na Polônia e no Quênia, mas há dois anos as coisas nesses países tão diferentes entre si estão mudando.

No pequeno país europeu, um pequeno competidor entrou em concorrência e começou a ganhar consumidores por causa dos valores mais baixos tanto das viagens quanto do que é pago aos motoristas. Na nação africana, a mesma startup adotou uma estratégia diferente: expandiu seu negócio oferecendo viagens de motocicletas e permitindo que os passageiros paguem usando um dispositivo de pagamento online popular.

Em ambos os países, a Uber respondeu apenas investimento mais dinheiro em propaganda para incentivar clientes e motoristas. A rival que colocou a empresa estadunidense na defensiva chama-se Bolt e é sediada em outro local alternativo entre os players mundiais: na Estônia.

A Bolt foi fundada há seis anos por Markus Villig, um estoniano de 19 anos recém-saído do ensino médio. Desde então, a empresa se tornou um sucesso inesperado ao se tornar o concorrente mais vigoroso da Uber na África e na Europa. “O transporte é um espaço completamente diferente”, disse ele ao jornal britânico The Guardian, “porque sempre há campeões regionais”. Segundo Villig, a Uber não deu preferência aos mercados da Europa Oriental e da África porque tem brigas maiores em outras regiões do mundo.

A Bolt é um exemplo de uma tendência problemática para a Uber, a maior empresa de transporte privado do mundo, que está pronta para abrir seu capital na Bolsa de Valores de Nova York no mês que vem a um custo inicial de R$ 405 bilhões.

Em todos os lugares em que a companhia pousou no planeta, uma série de antagonistas surgiram para rivalizar com ela: na Índia, a concorrência é acirrada com a Ola. No Brasil, a briga é com a chinesa Didi Chuxing, que recentemente comprou a 99 Táxi — apesar da Uber ter comprado um pedaço da empresa no ano passado. Sem contar o surgimento dos patinetes motorizados que tomaram para si um nicho de pequenos deslocamentos em áreas urbanas planas.

As batalhas multi-situadas da Uber significam que a empresa, que já está gastando bilhões de dólares por ano para competir em 700 cidades ao redor do mundo, não pode relaxar e cortar os custos de investimentos à medida que seus concorrentes crescem. O aplicativo, que já perdeu cerca de R$ 7,8 bi — gastou R$ 57,8 bi em 2018 — já sabe que vai continuar perdendo dinheiro no futuro próximo.

Isso pode fazer, ainda pior, com que os rivais se tornem mais agressivos: a Bolt está planejando confrontar a Uber em uma de suas cidades mais lucrativas: Londres, na Inglaterra. A pequena startup estoniana já entrou com pedido de autorização na prefeitura londrina para operar táxis na metrópole — a capital britânica modificou as regras para licenças de aplicativos de transporte privado em 2017. Maior mercado da gigante estadunidense na Europa e um dos poucos lugares em que ela é lucrativa, a chegada da Bolt pode ser catastrófica.

Segundo Thiago Rocha, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), o problema que a Uber enfrenta é a relativa facilidade com que as empresas se deparam para entrarem nos mercados, sem contar a inconstância dos clientes desse tipo de serviço e as batalhas complexas para recrutar motoristas. A empresa responde que, apesar das concorrentes, sua plataforma tem vantagens absolutas que tranquilizam os investidores.

Villig disse ao The Guardian que sua inspiração veio do Skype, o serviço de chamadas online que agora pertence à Microsoft, mas cujo idealização foi de um grupo de engenheiros estonianos — um dos membros da equipe é Martin Villig, irmão mais velho de Markus, que hoje trabalha na Bolt. Inicialmente operando com o nome de Taxify, a empresa foi criada depois que ele saiu do colégio e pediu dinheiro emprestado aos pais para deixá-lo seguir sua intuição de que o negócio daria certo.

Ele contou que via que o serviço de táxi nas grandes cidades da Estônia era ruim e que não esperava que a Uber entrasse em um mercado na Europa Oriental, ainda mais em um país “em que os estadunidenses nem sabem onde fica no mapa”. Depois de convencer os pais, a tarefa de atrair investidores foi mais fácil: logo, um grupo de interessados, incluindo membros do projeto do Skype, logo aderiram à ideia. “Era um aplicativo de táxis em Tallinn (capital da Estônia). Ou seja: não era nada grande demais”, contou um dos investidores da empresa, Rain Rannu, ao The Guardian.

A Bolt, já com esse nome, focou em trabalhar com empresas de táxi antes de se tornar um negócio parecido com o da Uber: oferecendo viagens por meio de um aplicativo de smartphones e usando motoristas sem licença cujos carros não passavam por consultas de multas. A empresa logo atingiu outros mercados na Europa Oriental, no Mar Báltico e na África — sem grandes esforços de Villig. Hoje, metade das receitas da companhia estoniana provêm de países africanos — ela opera em 100 cidades de 30 países, como Suécia, Croácia e Finlândia, e espera chegar ao mercado russo ainda em 2019.

Enquanto a Uber afirmou ter investido R$ 97 bilhões no seu negócio nos últimos cinco anos, os investidores da Bolt são mais modestos: a Didi, a mesma da 99 Táxi, colocou R$ 707 milhões na empresa nos últimos anos. Villig ainda enfrenta o mesmo problema que a sua gigante concorrente: está perdendo dinheiro. Para cada R$ 40 reais em receitas, a empresa perde R$ 4 por causa dos custos de expansão de novos mercados e dos bônus de incentivos para motoristas iniciantes. Mas ele se anima: “Quem sabe eu não abra o capital logo?”.