Economia

Velocidade da aprovação do pacote de gastos custou caro ao Governo e perdeu a “força”

Velocidade da aprovação do pacote de gastos custou caro ao Governo e perdeu a “força”

Brasília – O Congresso Nacional promulgou sexta-feira (20) a Emenda Constitucional 135/24, que trata do pacote fiscal de corte de gastos do governo. A emenda é oriunda da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/24 e fez alterações em receitas obrigatórias e prorrogou a FRU (Desvinculação de Receitas da União). As medidas visam melhorar o equilíbrio fiscal do governo federal.

Entre as alterações estão as que possibilitam mudanças no teto dos salários do funcionalismo público, nas regras de concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada), do abono salarial, da política de reajuste do salário mínimo, regras com limites para a concessão e ampliação de benefícios tributários e limitação do crescimento de despesas vinculadas ao arcabouço fiscal.

Apresentado há três semanas, o pacote de medidas foi considerado fraco diante da real necessidade de ajustes nas contas do Governo Lula 3. No final da tramitação das medidas no Congresso, os deputados e senadores “blindaram” emendas obrigatórias contra bloqueios, afrouxaram o combate aos supersalários, derrubaram boa parte das mudanças no BPC (Benefícios de Prestação Continuada) e excluíram a medida que permitiria à União reduzir os repasses futuros ao FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal). Os parlamentares também restringiram a flexibilização em recursos repassados ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica).

E mesmo concordando com alterações que desidrataram o pacote, o Palácio do Planalto reforçou a articulação, mobilizando os ministros para acionar as bancadas e ainda acenou com a liberação de emendas extras (R$ 5 milhões) para conseguir aprovar o pacote nas duas Casas ainda antes do início do recesso parlamentar.

Promulgação

Ao promulgar a emenda, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que o objetivo da alteração na Constituição é preservar a coesão fiscal, aliando o regime jurídico dessas despesas ao arcabouço fiscal em vigor e ao “cenário global em que o Brasil está inserido.”

A aprovação do texto da PEC, na noite de quinta-feira (19), fez parte do esforço do governo de controlar o crescimento de despesas obrigatórias, como as de pessoal e programas sociais. O texto aprovado altera o abono salarial do Programa PIS/Pasep, de até um salário mínimo, pago a trabalhadores que ganharam até dois salários mínimos mensais no ano anterior.

A mudança aprovada determina que o valor do abono do PIS/Pasep será corrigido apenas pelo INPC a partir de 2026. O salário será pago ao trabalhador que tiver recebido dois salários mínimos do ano-base, que será 2023, o que equivale a R$ 2.640. O salário de acesso será reduzido até chegar a um salário mínimo e meio, o que, na previsão do governo, deve ocorrer em 2035.

Fundeb e DRU

Outra mudança foi nas regras do Fundeb, que financia as redes públicas de ensino, desde o infantil até o ensino médio. O fundo é bancado pela arrecadação dos estados e dos municípios, mas recebe complementação da União quando os entes não atingem o valor mínimo por aluno ao ano. A proposta aprovada limita a até 10% em 2025,os recursos que devem ser destinados às matrículas em tempo integral. Para os anos seguintes, a regra estabeleceu o mínimo de 4% dos recursos do Fundeb. Isso deverá ocorrer até serem atingidas as metas de educação em tempo integral estabelecidas no Plano Nacional de Educação.

Com relação à Desvinculação de Receitas da União, cujo prazo terminaria em 2024, a PEC determina sua prorrogação até 2032, permitindo que o governo flexibilize a execução orçamentária no limite de 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas.

Execução orçamentária

Foi retirado o dispositivo que previa a revogação dos parágrafos 10 e 11 do artigo 165 da Constituição. Um deles cita que a “administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”. Já o segundo dispositivo está relacionado à forma de execução das emendas.

Abono salarial

A PEC traz alterações nas regras de concessão do abono salarial, benefício no valor de um salário mínimo hoje pago a trabalhadores que recebem no máximo dois mínimos mensais. O texto define que serão elegíveis à política quem ganha até duas vezes o salário mínimo do ano base (2023) para pagamento em 2025 corrigida, a partir de 2026, pela variação anual do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

A ideia é que a porta de entrada para o abono seja limitada, ao fim do período de transição, a quem ganha até um salário mínimo e meio, o que ocorreria em 2035, segundo a projeção da Fazenda.

Subsídios

A PEC prevê que o Poder Executivo poderá reduzir ou limitar, na elaboração e na execução das leis orçamentárias, as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira, inclusive os relativos a indenizações e restituições por perdas econômicas, “observado o ato jurídico perfeito”. Em outro trecho, a PEC define que uma lei complementar vai dispor sobre condições e limites para concessão, ampliação ou prorrogação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

Haddad estima desidratação em torno de R$ 1 bi com mudanças em pacote

Ao apresentar o pacote de corte de gastos no fim de novembro, o governo projetava economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026. Mesmo com mudanças significativas em alguns pontos das propostas, O ministro da Fazendo, Fernando Haddad, disse que a economia ficará em pouco mais de R$ 70 bilhões, com uma diferença “em torno de R$ 1 bilhão”. De acordo com o ministro, a economia com a limitação dos supersalários no serviço público, desidratada nas votações, não afetou a estimativa porque o projeto não atinge o resultado primário do Poder Executivo, mas de outros Poderes.

Distrito Federal

Segundo Haddad, o maior impacto decorreu da retirada das mudanças previstas para o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) do pacote. Ele não deu um número sobre essa perda. O governo queria que o fundo fosse corrigido pela inflação oficial pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), em vez da correção atual pela receita corrente líquida da União, que permite reajustes acima da inflação.

O ministro justificou a proposta para mudar a correção do FCDF com base na reforma tributária do consumo recém-regulamentada pelo Congresso. Segundo Haddad, o Distrito Federal terá ganhos expressivos com a mudança da cobrança do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) no destino (local de consumo das mercadorias).

“Entendemos que a medida [mudança no FCDF] era justa por razão simples. O GDF [Governo do Distrito Federal] é o ente que mais ganha com reforma tributária. A partir do momento em que o imposto vai para o destino, o DF, local de alto consumo, terá ganhado com a reforma tributária. Entendemos que esse fundo teria de ficar dentro do arcabouço fiscal”, declarou Haddad.

Especialistas discordam de Haddad

Em entrevista à Folha de São Paulo, o economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), disse que a rapidez da aprovação do pacote é um fato notável, mas isso também reduziu debates e ampliou custos que resultaram na diluição das medidas. “Vai ter uma redução de impacto não desprezível”, avalia. Segundo ele, as mudanças no BPC fizeram com que as regras do programa voltassem “quase à estaca zero”. A alteração no Fundeb e nos subsídios do Proagro também têm potencial para reduzir os ganhos fiscais. “O pacote já não era suficiente. [Com o resultado final] Devemos ter novos capítulos, com novas medidas.”

A economista sênior da LCA Consultores, Thaís Zara, afirma que o mercado segue apreensivo com a trajetória das contas públicas, uma vez que há dúvidas sobre a real capacidade do governo de voltar a fazer superávits —ou seja, arrecadar mais do que gastar. “A aprovação em si é positiva, apesar de ter sido desidratado. Mas viabilizar o superávit demora, o governo continua dependente de receitas”, diz.

Segundo ela, como as despesas obrigatórias devem continuar crescendo nos próximos anos e “vão acabar batendo no teto”, o que mantém as dúvidas sobre a sustentabilidade futura do arcabouço.