Até há pouco prevalecia no Brasil a noção intuitiva segundo a qual o regime democrático só seria pleno se alicerçado na completa e incondicional liberdade de criação de partidos políticos. Tal visão associava a representação em eleições proporcionais e a proteção das minorias a um pluripartidarismo sem limites, como se quanto mais partidos tivéssemos, mais democracia teríamos. Tamanha era a penetração da ideia que até o Supremo Tribunal Federal entrou na onda, derrubando uma louvável cláusula de barreira que exigia certo desempenho eleitoral como condição de acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral dito gratuito.
Estávamos errados, como agora todos sabemos. Quem o demonstra não sou eu, mas os fatos, com impiedosa ironia. A farra da criação desenfreada e paroquial de partidos políticos tem produzido efeito reverso ao preconizado: quanto mais essas ridículas legendas de aluguel proliferam, menos democrático se torna o nosso regime político. Sem o escrutínio de qualquer controle quantitativo ou qualitativo, essas pseudoagremiações partidárias acabam por abocanhar polpudas verbas públicas e passam a ocupar minutos preciosos, às expensas dos contribuintes, nos veículos de comunicação. Em regra, prestam-se a toda sorte de concertações, sempre voltadas ao melhor interesse pessoal de seus líderes, sem o mais tênue liame com as minorias de que se arrogam representantes.
Do ponto de vista da governabilidade, o sistema partidário é uma tragédia. A pulverização excessiva inviabiliza consensos minimamente estáveis e sustentáveis, tornando os gestores públicos reféns de um infindável jogo de chantagens em troca do incerto apoio político. Nesse varejo de miudezas, as grandes questões nacionais ficam relegadas a mera retórica política.
Mas é chegada a hora de mudar. A consciência do colapso do sistema político-partidário no Brasil parece estar madura. Alguns dos nossos mais respeitados cientistas políticos, juristas e ministros do Supremo se dizem convencidos da necessidade de uma cláusula de barreira (ou de performance, como talvez seja mais simpático denominá-la), que condicione o acesso ao dinheiro e à atenção dos contribuintes a alguma representatividade real dos partidos. Particularmente, penso que devemos ir ainda mais longe, instituindo algum mecanismo de redistribuição de cadeiras, nas eleições proporcionais, se o partido não alcançar determinado desempenho. Por evidente, a liberdade de criação ou cisão de partidos não é absoluta, devendo conformar-se a regras que visam a coibir fraudes e promover valores democráticos importantes, como a idoneidade do sistema, a funcionalidade do Parlamento e, sobretudo, a governabilidade do país.
Recente alteração da Lei Eleitoral já sinaliza no sentido da qualificação do nosso sistema partidário, ao limitar a deliberação sobre as regras dos debates eleitorais a partidos que tenham, pelo menos, nove representantes na Câmara dos Deputados. Na benfazeja medida, tais partidos poderão, inclusive, limitar o número de participantes nos debates, desde que tal definição seja tomada por maioria qualificada de dois terços e pautada por critérios objetivos, impessoais e antecipadamente definidos. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ajuizou ação direta de inconstitucionalidade visando a assegurar que prevaleça tal interpretação da lei, por ser aquela que mais bem se harmoniza ao espírito da Constituição de 1988. Espera-se que o Supremo proclame a validade desse entendimento e abra caminho para a qualificação da democracia no Brasil. Neste, como em outros casos, menos é mais.
Gustavo Binenbojm é advogado