A espera por um transplante é uma luta diária que impõe desafios físicos e psicológicos. No dia 27 de setembro celebra-se o Dia Nacional do Doador de Órgãos, uma data dedicada a conscientizar a sociedade sobre a importância da doação e a incentivar que famílias e amigos discutam o tema. Jucimara dos Santos, moradora de Cerro Azul, no Paraná, conhece bem essa realidade. Diagnosticada com rins policísticos apenas três meses após seu casamento, ela perdeu ambos os órgãos entre 2020 e 2021. Hoje, aos 25 anos, enfrenta a exaustiva rotina da hemodiálise.
Por não ter os rins, Jucimara relata que, além dos cuidados físicos, precisa controlar rigorosamente a ingestão de certos alimentos, como os ricos em potássio, e a quantidade de líquidos, já que, sem os órgãos, não há produção de urina. Tudo o que ela consome, seja comida ou bebida, é filtrado pela máquina de hemodiálise, responsável por limpar o sangue. “Minha rotina é do hospital para casa e vice-versa. Às vezes, saio fraca da máquina, mas com o tempo a gente se acostuma”, comenta.
Ela realiza exames mensais para monitorar a saúde e ajustar o tratamento conforme necessário, além de ter se adaptado à realidade enfrentada. “Às vezes, tenho anemia, até pelo procedimento de hemodiálise toda semana. Uma alternativa para matar a sede, no lugar da água, é chupar uma pedra de gelo”, relata.
Apesar dos desafios, Jucimara tenta manter o otimismo. Nos últimos cinco anos de hemodiálise, grande parte no Hospital Angelina Caron, ela já foi chamada três vezes para o transplante, mas ainda não encontrou um doador compatível. “Já me senti mal e desanimada, mas preciso continuar”, afirma.
Ela ressalta que o apoio da família é fundamental para seguir em frente. “Minha família é grande, tenho nove irmãos e todos me apoiam. Meu marido viaja comigo para o hospital e nunca me desamparou. Quando penso em desistir, lembro que tenho uma máquina que me dá a oportunidade de continuar”.
Doe órgãos e salve vidas
Apesar de ocupar a segunda posição mundial em número de transplantes, o Brasil tem mais de 44 mil pessoas aguardando por um procedimento, de acordo com o Ministério da Saúde. O órgão mais demandado é o rim, com mais de 41 mil pessoas na fila. Em seguida, estão o fígado, o coração, o pâncreas e os pulmões. Além desse número, cerca de 30 mil pessoas também aguardam por uma córnea.
Para João Eduardo Leal Nicoluzzi, cirurgião geral e de transplante do Hospital Angelina Caron: “a doação de órgãos no Brasil é ainda muito heterogênea, reflexo da falta de campanhas permanentes em muitos estados. O mito de que o doador ainda está vivo também persiste, mas a doação só ocorre após a morte cerebral comprovada”. Além disso, o médico ressalta a importância de as pessoas buscarem esclarecimentos nas centrais de transplante, que são estruturas públicas acessíveis para responder a dúvidas.
Segundo Nicoluzzi, o registro em cartório é uma prática louvável e que garante maior clareza quanto ao desejo de ser doador, facilitando o processo de autorização familiar, essencial no Brasil. Desde o início deste ano, qualquer pessoa pode realizar uma Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) nos mais de 8 mil cartórios do país. O documento é eletrônico e deve ser preenchido a fim de demonstrar o interesse em ser doador, podendo escolher quais órgãos quer doar. O documento pode ser preenchido no site https://www.aedo.org.br/ ou por meio do aplicativo e-notariado, disponível para download em lojas de aplicativos.
Como se tornar um doador de órgãos?
A doação de órgãos é um ato de amor e esperança para quem recebe. Dentre os órgãos que podem ser doados estão o coração, rim, pâncreas, fígado, pulmões e tecidos (córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical). Alguns deles podem ser doados ainda em vida, como: um dos rins, metade do pulmão, parte do fígado e a medula. Os outros, apenas com a morte encefálica, que geralmente é resultado de traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral).
Todas as pessoas podem ser consideradas doadoras em potencial, independentemente da idade ou histórico médico. O que determinará a possibilidade de transplante e quais os órgãos e tecidos poderão ser doados é uma avaliação do corpo feita por meio de exames clínicos, de imagem e laboratoriais no momento da morte.
Para ser um “doador vivo”, é importante a pessoa apresentar boas condições de saúde, passar por avaliações médicas e exames de compatibilidade, ser capaz juridicamente e concordar com a doação. Legalmente, pais, irmãos, filhos, avós, tios e primos podem ser doadores. No caso de doação para uma pessoa que não seja parente, é preciso obter autorização judicial.
Já para doação de medula óssea, basta procurar o Hemocentro mais próximo, realizar um cadastro no Redome e coletar uma amostra de sangue (10 mL) para exame de tipagem HLA. Quando surgir um receptor compatível, o doador será convidado a realizar a doação, que acontecerá em centro cirúrgico. Há algumas regras para ser doador de medula: ter entre 18 a 35 anos, não ter doenças transmissíveis e estar em bom estado de saúde.
Não podem ser doadores de órgãos somente pessoas com diagnóstico de tumores malignos, doenças infecciosas graves agudas ou doenças infectocontagiosas – destacando-se o HIV, as hepatites B e C e a doença de Chagas. Também não podem ser doadores os diagnosticados com insuficiência de múltiplos órgãos, situação que acomete coração, pulmões, fígado, rins, impossibilitando a doação desses órgãos.
Na macrorregional Oeste, 159 órgãos foram captados somente neste ano
Cascavel – A referência para transplantes em Cascavel é a Uopeccan, que é habilitado para fazer transplantes de fígado, medula óssea e de rim. Na instituição já foram realizados 198 transplantes de fígado desde 2018 e 272 transplantes de medula óssea desde 2009. Já os transplantes de rim iniciaram em setembro de 2023, mas até o momento não teve procedimentos.
Já no HUOP (Hospital Universitário do Oeste do Paraná) acontece a captação de órgãos para transplante, que são realizados, em sua maioria, em Curitiba. Segundo informações do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná, a macrorregional Oeste realizou a captação de órgãos efetivamente transplantados em 2024: 110 rins, 43 fígados, cinco corações e um pulmão dando a oportunidade de recomeço a 159 pacientes.
Dados
Segundo o Sistema Estadual de Transplantes do Paraná (SET/PR), em números absolutos, o Estado registrou 242 doadores de órgãos, que possibilitaram 431 transplantes de órgãos no primeiro semestre deste ano, além de 644 de córneas – o maior dado já registrado pelo SET/PR. Os dados de janeiro a agosto são ainda maiores, com 332 doadores, 601 transplantes de órgãos e 889 de córneas. Atualmente, 3,9 mil paranaenses aguardam na fila por um transplante.
Paraná lidera
Segundo o último dado divulgado no Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), com informações do primeiro semestre deste ano, além de ter uma das menores taxas de recusa familiar (apenas 25%), o Paraná continua líder em doações de órgãos no Brasil com 42,3 doações por milhão de população (pmp), seguido por Santa Catarina com 40,7 pmp, Rondônia (40,5 pmp), Rio de Janeiro (27,0 pmp) e Ceará (25,0 pmp). A média nacional é de 19,5 pmp.