Cotidiano

'Crise da lei Rouanet pode gerar apagão cultural', diz ministro da Cultura

Marcelo Calero.jpgBRASÍLIA – Desde que Marcelo Calero assumiu o
ministério da Cultura (MinC), em 24 de maio, a pasta não sai do noticiário
político. O ex-secretário de Cultura do Rio exonerou 81 funcionários que
ocupavam cargos comissionados, disse que estava ?desaparelhando? o MinC, trocou
acusações com a gestão anterior, viu equipamentos culturais ocupados por
manifestantes ? e ordenou a reintegração de posse deles. Enquanto isso, anunciou
o pagamento de dívidas, lançou um programa para valorizar o funcionário público,
criou novas secretarias, mudando a estrutura da pasta, e saiu em defesa da Lei
Rouanet, alvo de recentes denúncias de irregularidades e de uma CPI criada pela
Câmara dos Deputados. Calero diz que a CPI não interessa ao ministério nem ao
governo e conta que já falou aos deputados sobre sua preocupação em relação ao
que chama de ?demonização? do principal meio de fomento à produção cultural no
país:

? O que me preocupa é que hoje as
empresas que usam a lei já estão combalidas com a crise econômica. Então,
naturalmente já estariam mais ausentes do mecanismo. E muitas delas nem poderão
usar a Rouanet porque suas regras de compliance proíbem que elas se
valham de mecanismos sob escrutínio legal. Já externei isso aos deputados.
(Com a crise da Rouanet), temo que a gente tenha um apagão cultural no
ano que vem. E isso é muito grave.

Anteontem, horas após o impeachment
de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer na presidência, e na véspera de
completar 100 dias no governo, Calero concedeu a seguinte entrevista em seu
gabinete. E comentou polêmicas.

Em artigo no GLOBO, o senhor escreveu que ia apresentar ao
presidente o programa ?Brasil é cultura?, com 15 linhas pragmáticas. O que é
esse projeto? Já foi apresentado?

Já. É um plano com todas as linhas
de ação do ministério, iniciativas, prazos. Agora estamos traduzindo isso em
números concretos à luz do orçamento, enviado ao Congresso. Não posso anunciar
todas, mas uma dessas iniciativas é o projeto Bibliotecas do Amanhã, que começou
no Rio, e no plano federal terá três pilares: reformas físicas de bibliotecas
públicas, aliadas a novos projetos educativos; um novo mecanismo de auxílio a
bibliotecas comunitárias; e criação de bibliotecas no programa Minha Casa, Minha
Vida, em parceria com os ministérios das Cidades e da Educação. Também temos o
Ações Locais, iniciado no Rio, antes da minha gestão, que vamos tornar nacional,
investindo em iniciativas culturais importantes, mas que não estejam atreladas a
uma instituição ou a um grupo formalmente constituído. A ideia é reduzir a
burocracia, aumentar a capilaridade e estimular, por exemplo, ações culturais em
periferias do país. Também criamos a Secretaria de Infraestrutura Cultural,
porque uma das maiores demandas que a gente tem é de infraestrutura mesmo:
teatros, centros culturais e museus, por exemplo, que precisam de reformas e
equipamentos. Um teatro bem equipado não é só um lugar de fruição, mas também de
fomento à produção local, estimulando a criação e produção. Mas não vamos
financiar novas construções, para isso há o programa dos Centros de Artes e
Esportes Unificados (CEUs), que a gente vai manter, só estamos estudando a meta
para 2017.

O que acha do projeto Procultura, que está no Senado, e chegou a
ser apontado como alternativa à Rouanet?

A gente tem que ter bastante parcimônia ao analisar esse projeto. Já
conversei muito com o senador Roberto Rocha (PSB-MA), relator do Procultura. E
estou ouvindo mais opiniões. O projeto traz inovações importantes, mas não
desqualifica a Lei Rouanet.

Sobre a Rouanet, existe um projeto concreto de reforma?

Ainda não. Tenho no horizonte algo em torno de seis meses. Estamos ouvindo
vários lados antes de dizer qual é o nosso entendimento. Mas uma das coisas que
me parecem muito importantes é permitir que empresas de lucro presumido possam
usar a lei. Também pensamos em atrair pessoas físicas e em trabalhar mais com
mecanismos como o endowment (em que instituições aplicam parte de
seu rendimento em cultura)
. Há muitas propostas em discussão, inclusive
para fomentar produções independentes, artistas cooperativados. Deles depende a
manutenção da vanguarda estética e artística.

Com toda a crise, de onde sairá dinheiro para antigos e novos
projetos do MinC?

Chegamos aqui com R$ 1 bilhão
inscrito em restos a pagar. Recebemos um aporte de R$ 237 milhões do presidente.
E estamos renegociando dívidas à medida que formos pagando. Hoje a dívida está
em torno de R$ 400 milhões. Trabalhamos para reduzir outras despesas e crescer o
orçamento do ministério em 2017. Fomos autorizados a mandar proposta de R$ 733
milhões para gastos descricionários (despesas não fixas). O que é um
ganho enorme (neste ano o valor foi de R$ 604 milhões, mas caiu para R$ 430
milhões após o contingenciamento
). Não é o ideal, mas é uma situação que o
ministério não tem há anos. E vamos rever metas. A meta do Plano Nacional de
Cultura, por exemplo, era chegar a 2020 com 15 mil pontos de cultura. Essa não é
uma meta exequível. Deveria ser entre
6.500 e 8 mil. Queremos rever esses planos diante da nova realidade que se impôs
ao país nos últimos anos.

Falando em reunião, o senhor disse que conversaria com deputados
sobre a CPI da Lei Rouanet. Conseguiu?

Sim. E expressei minhas
preocupações. Já disse que fico muito preocupado com a demonização da lei e com
a criminalização do artista. O que me preocupa é que hoje as empresas que usam a
lei já estão combalidas com a crise econômica. Então, naturalmente já estariam
mais ausentes do mecanismo. E muitas delas nem poderão usar a Rouanet porque
suas regras de compliance proíbem que elas se valham de mecanismos sob
escrutínio legal. (Com a crise da Rouanet) temo que a gente tenha um
apagão cultural no ano que vem. E isso é muito grave. O que a gente está
tentando é ver se a CPI pode se circunscrever a alguns casos específicos e ter
uma duração determinada. Até porque tememos que toda a estrutura do ministério
fique por conta de atender a solicitações da CPI. Estamos buscando o melhor
desfecho possível. Claro que o melhor era não haver CPI. Mas ela foi deferida
pelo então presidente da Câmara Waldir Maranhão (PP-MA). O ministério e o
governo não são favoráveis à CPI, não achamos que seja o melhor fórum pra isso.
Acho até que a operação Boca Livre prova que a CPI é desnecessária, porque os
órgãos de controle estão funcionando.

Mas nesta semana mesmo a ?Folha de S.Paulo? divulgou o caso do
musical ?Maysa?, que apresentou nota falsa de R$ 2,5 milhões de ar-condicionado.

O MinC já tinha alertado para o valor estranho.

Mas recebeu notas justificando o gasto e seguiu
adiante.

Quando a gente recebe esses documentos, há uma presunção de idoneidade.
Depois é analisada a prestação de contas. Se você falar com os artistas, eles
vão dizer que há excesso de pedidos de documentos, que eles têm dificuldade de
atender. Sempre haverá momentos em que a fiscalização não terá sido
bem-sucedida. É por isso que há órgãos de controle fora do ministério, há a
imprensa, que também tem esse papel. E casos assim servem para a gente trabalhar
no aprimoramento dos mecanismos de controle. Estamos trabalhando no fluxo de
informações, na informatização do material que chega, para que tudo passe a ser
eletrônico. O que me preocupa é não se levar em conta o fato de a lei hoje
patrocinar mais de 3 mil projetos, e contar-se nos dedos aqueles em que se
descobriu alguma irregularidade.

Quando o senhor assumiu, disse que queria diálogo, mas que os
ânimos estavam acirrados para isso. E não melhoraram. Como dialogar com a classe
se parte dela diz não reconhecer o governo?

Não sei se os ânimos estão mais
acirrados. E eu disse que queria diálogo, mas que entendia que o momento era
delicado por conta da exacerbação política. O discurso não mudou. As posições
políticas às vezes continuam exacerbadas, mas é preciso entender que há um
governo que foi fruto de um processo constitucional, e há um ministro da Cultura
que está disposto a dialogar com quem quer que seja para a construção de
políticas públicas consistentes. Mas só dialogo com quem quer dialogar.

Organizações como o GAP (Grupo de Articulação Parlamentar
Pró-Música) e o Procure Saber estão apreensivas em relação à posição do MinC
sobre direitos autorais. O que pensa da fiscalização sobre o Ecad, por
exemplo?

Está se fazendo muita espuma para
pouco chope. Entendo que eles viveram um momento mais confortável porque o
diretor de Direito Intelectual (Marcos Souza, exonerado mês passado)
era próximo a eles. Mas nós temos hoje no ministério dois especialistas em
direito intelectual ? o secretário de Economia da Cultura, Claudio Lins de
Vasconcelos, e o diretor de Direito Intelectual, Rodolfo Tamanaha.

Mas vai se rediscutir fiscalização sobre o Ecad?

É claro que não. Mas a gente quer
ver direitos intelectuais para além da questão de Ecad. Queremos trabalhar a
cultura como um eixo estratégico de desenvolvimento. E isso perpassa questões de
direito intelectual. Todos os lados serão ouvidos sempre que o diálogo se der de
maneira respeitosa. Recebi mensagens que não pareceram respeitosas. E isso não
permito.

O senhor disse que não pediria reintegração do Palácio Capanema,
ocupado por manifestantes contrários ao governo. Depois mandou desocupar. Por
que mudou de ideia?

A gente dizia que não pediria
reintegração na medida em que as manifestações obedecessem o Estado democrático,
o que não aconteceu. Houve denúncias de drogas, assédio a servidores, danos ao
patrimônio. É claro que o movimento que estava lá vai dizer o contrário. Corre
inclusive na Polícia Federal uma investigação. Além disso tudo, havia um atraso
na obra do Capanema por conta das pessoas ali.

E a Biblioteca Nacional?

Vai ser toda reformada até o fim de 2018. Nossa dificuldade é em relação aos
projetos. Foram contratados vários em parceria com a FGV. Alguns não tiveram
chancela do Iphan. Vamos botar a licitação na rua até meados de 2017.

O que pensa do projeto da Política Nacional da Leitura e Escrita,
que está no Senado?

Isso chegou a mim há pouco tempo e
ainda não tive tempo de refletir adequadamente. Mas é uma área prioritária.

Mas, se é prioridade, não deveria estar sendo discutido?

Parece muito tempo, mas três meses
é muito pouco. A gente está recrutando neste momento o novo responsável pelo
Departamento de Livro, Leitura e Biblioteca e o novo titular do Plano Nacional
do Livro e Leitura.

O MinC tem um dos piores planos de carreira para o funcionalismo.
Como melhorar?

O primeiro passo foi o programa de
valorização do servidor. É traumático, claro, colocar 81 pessoas na rua, mas a
gente sabe que elas nem deveriam estar ali. Eram de fora dos quadros do MinC.
Sobre a Cinemateca, houve um erro (funcionários de carreira foram exonerados
e depois reintegrados
). Mas oferecemos 50 vagas a funcionários do MinC. E
43 foram preenchidas.

O senhor disse que quer valorizar a Funarte? Como?

Vamos recomeçar o Plano Nacional das Artes, que nem ouviu os servidores da
Funarte. Alguns setores, como o teatro, também não se sentiram contemplados. A
ideia é refundar a Funarte. Estamos estudando vários modelos para dotá-la de
fontes de financiamento perene, como um fundo a exemplo do FSA (Fundo
Setorial do Audiovisual
).

Cujo dinheiro viria de…?

Várias fontes. Uma lotérica que a gente está discutindo com a Caixa, por
exemplo. O próprio Fundo Nacional de Cultura pode ter parte para as artes. Já
pensei até numa taxação de cigarro. E incluímos a Funarte para receber parte dos
recursos caso o projeto de lei que quer legalizar o jogo no país seja
aprovado.

Vai mesmo ser Autoridade Pública Olímpica? Pode?

Desde que não acumule remuneração, sim. Isso tá em avaliação pelo governo,
mas acho que meu nome tem a ver com a proximidade que tenho com o Rio. E a APO
vai até dezembro.

O senhor era um secretário prestigiado no Rio e hoje há quem o
chame de ?ministro golpista?. Como lidar?

Isso deriva de um momento de paixões exacerbadas. Acho inadmissível esse
rótulo de golpista. Golpista é quem desrespeita a Constituição. E houve um
processo legítimo e constitucional. O que me atinge é gente que foi do meu
convívio pessoal ser desrespeitosa comigo. O resto faz parte do processo
democrático.

Expor sua intimidade no Instagram gera algum desconforto como
ministro?

É próprio da nossa geração postar
selfies. Meu instagram é meu recanto pessoal. Políticos não são de Marte, têm
vida. Boto fotos de avó, afilhados, gatos, minhas em cenas lúdicas.