Links Festival do RioRIO – Com um tom agridoce e sob clima de reconciliação, “Mulher do pai”, de Cristiane Oliveira, fechou, nesta quinta-feira, a última noite de mostra competitiva da Première Brasil, do Festival do Rio. E confirmou uma tendência interessante: os maiores destaques deste ano foram os filmes de diretores estreantes em longa-metragem, sinalizando uma bem-vinda renovação do audiovisual nacional.
Coprodução entre Brasil e Uruguai, “Mulher do pai” conta a história de uma família que vive numa pequena vila na divisa entre os dois países. A avó, Olga (Amélia Bittencourt), toma conta do filho cego, Ruben (Marat Descartes), e da neta, Nalu (Maria Galant), uma adolescente de 16 anos. A relação entre pai e filha é fria e distante, mas, após a morte de Olga, a dinâmica entre os dois sofre alterações. A professora uruguaia Rosario se aproxima da família, despertando novos desejos e sentimentos no homem e na garota.
Falar mais sobre a trama, além de um desserviço, seria inútil, já que “Mulher do pai” é mais um filme de personagens do que de trama. Diretora do premiado curta “Messalina” (2004), Cristiane Oliveira, em seu primeira longa, investe no significado dos gestos e das imagens. O simbolismo das composições (a fotografia é de Heloísa Passos), junto à expressão dos atores, entram no lugar dos diálogos para traduzir o turbilhão de emoções por que passa o trio de protagonistas.
Antes da sessão, a atriz Maria Galant leu o discurso da cineasta (que estava rouca e não conseguiu falar): um manifesto pela permanência das políticas da Agência Nacional do Cinema (Ancine), que, segundo ela, permitiram a parceria entre Brasil e Uruguai:
– Esse filme é fruto das políticas de diversificação da Ancine. Graças a elas, podemos estar aqui com os nossos vizinhos uruguaios. Desejo a manutenção dessas conquistas. Jamais podemos dar um passo atrás. A Ancine tem sido fundamental nesse sentido.
Mais cedo, foi exibido o eco-documentário “O jabuti e a anta”, de Eliza Capai, que viajou pelos rios Xingu, Tapajós e Ene para registrar obras de hidrelétricas, tendo como mote a de Belo Monte. Através de entrevistas com pescadores, índios, especialistas e ativistas, Eliza argumenta que a construção de usinas e barragens afetam (ou já estão afetando), para o mal, a vida dos habitantes de comunidades ribeirinhas, e questiona o preço que a sociedade pode pagar por não investir em energias sustentáveis. Embora o discurso não seja inédito, o trunfo de “O Jabuti e a Anta” é dar voz às pessoas atingidas pelo “progresso”.
– Eu era jornalista e soube que ia cobrir uma conferência de clima no Peru – disse a produtora Marina Yamaoka, ao explicar o nascimento do projeto. – Percebi que o Brasil era tido como um “bom país”. Achavam que tinha energia limpa, e isso me deixava angustiada. Eu olhava para dentro e via as hidrelétricas na Amazônia e Belo Monte. Em São Paulo, onde moro, abri a torneira e não tinha água, por causa da crise hídrica. A conta não fechava.
– Nas viagens que fizemos, surgiram outras angústias – continuou Eliza Capai. – Decidimos transformar os questionamentos nesse filme. Não é apenas um filme de personagens da resistência, mas também de uma equipe de resistência que deu voz a pessoas geralmente silenciadas.
Os filmes em competição na Première Brasil foram exibidos da última sexta-feira até esta quinta. Ao todo, foram projetados 14 longas (oito ficções e seis documentários), além de oito curtas. A cerimônia de premiação acontece na noite de domingo.