Por mais insólito que possa parecer, é possível ter uma esquininha de Ipanema, uma fradinho de Santa Teresa ou uma parede da Lapa para enfeitar a sua casa ? mesmo que ela esteja fincada muito, muito distante, na Europa ou nos Estados Unidos. Na última quinta-feira, um trio de amigas cariocas lançou o site Rio Art Gallery (rioartgallery.com), que pretende vender obras de artistas de rua do Rio para compradores de fora do país.
No acervo virtual, há telas, serigrafias e até fotografias de muros e obras (elas saem mais em conta) de dez autores cultuados da cena urbana carioca. Para comemorar a inauguração, uma exposição na galeria Rabisco, em Ipanema, foi montada com preços especiais, que variam entre R$ 100 e R$ 500. No site, todas as transações serão feitas em dólar. E uma inauguração em Berlim, no mês de agosto (para aproveitar o burburinho das Olimpíadas aqui na cidade), já está sendo arquitetada.
Nina Gani, uma das idealizadoras do projeto ao lado de Bianca Zaltcovitz e Margaret Lutz, tem conhecimento de causa no assunto. Há dois anos, ela organiza tours de estrangeiros para mostrar o que os muros do Rio têm a exibir. Volta e meia, pinta algum forasteiro querendo comprar de ?qualquer jeito? uma obra de um grafiteiro. Nina diz que as peças multicoloridas são sempre as mais apreciadas pelos estrangeiros. Para ela, o favoritismo tem explicação.
? O estilo do trabalho reflete muito a personalidade da cidade. Se você vai a Londres, as obras são frias, com muito preto e branco. Em São Paulo, a cena é maravilhosa, mas tem uma carga um pouco mais pesada, uma coisa meio industrial. No Rio, não é assim. Mesmo quando o desenho faz uma crítica, ele tem humor, é leve. Pode ser negro, mas ainda assim é bem-humorado ? analisa Nina.
Um exemplo bacana é o fantasminha do jogo Pac-Man, com um balãozinho com os dizeres ?I see dead people?, feito pelo Cast, do Trapa Crew, na frente do Cemitério São João Batista, em Botafogo. Outro, Nina lembra, é o trio de gatinhos num desses jipes de safári para estrangeiros, na Rocinha.
Márcio Ribeiro, mais conhecido pelo codinome de PIA Cisterna Transborda, faz parte da segunda geração de grafiteiros do Rio e vê com bons olhos essa movimentação das ruas para as galerias virtuais de além-mar. Ele acaba de mandar 30 quadros para uma exposição em Amsterdã, de uma série recente batizada como ?Delírios Tropicais?, e corrobora: os estrangeiros têm realmente atração pelas obras tupiniquins.
? Muitos artistas brasileiros fazem uso dessa psicodelia do tropicalismo. O carioca já tem uma profusão de cores e formas no dia a dia, que é tão própria da nossa natureza. E o pessoal de fora se amarra nisso. Imagina morar num país frio? Tudo o que o cara quer é ter um quadro colorido em casa para alegrar o ambiente. Acho que eles valorizam até mais do que nós ? palpita.
Vinicius Spam, veterano nas ruas, mas novato nas galerias internacionais, acha que o site também tornará a arte urbana brasileira mais acessível. Conhecido por suas figuras femininas e temática circense, ele está otimista com os novos ventos do mercado.
? O grafite já tinha entrado em marcas de roupas, em projetos de decoração, em publicidade, na televisão. As exposições em galerias são só mais uma plataforma para a arte de rua ? comemora. ? O site vai vender também fotos das nossas telas, com preços sugeridos pelos autores. O que torna tudo mais acessível.
Não é à toa que os artistas estejam tão animados. Enquanto esse mercado esquenta no Brasil, lá fora, o limite já passou do muro para o céu há muito tempo. O caso mais emblemático é o do inglês Banksy. Só para citar um de seus melhores negócios, em 2013, a obra ?Kissing coppers? (um estêncil que mostra dois policiais se beijando) foi tirada da parede de um pub na cidade de Bringhton para ser vendido em um leilão em Miami. O preço? A bagatela de R$ 1,97 milhão.