O plano do Governo Jair Bolsonaro de transformar as represas de 73 hidrelétricas do País em grandes criadouros artificiais de peixe, a maioria deles para tilápia, acendeu alerta entre ambientalistas e cientistas que estudam o tema. O maior receio é de que o peixe acabe comprometendo espécies nativas que ainda resistem nos maiores rios brasileiros, apesar destes terem sido barrados pelas usinas, a exemplo do Lago de Itaipu.
Das 73 barragens selecionadas, 60 preveem a criação de tilápia. Outros 13 reservatórios – dos quais seis estão na Amazônia – seriam usados para criação de uma espécie natural daquele rio.
O governo refuta os riscos colocados pelos especialistas e afirma que possui estudos técnicos suficientes para demonstrar que a tilápia não é uma ameaça, que não se adapta às profundidades comuns aos grandes reservatórios e que não é predador.
Na última terça, Bolsonaro e Jorge Seif Júnior, secretário nacional de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, foram às redes sociais para afirmar que o governo está próximo de viabilizar o cultivo da tilápia no Lago de Itaipu.
“O Brasil possui 73 lagos de hidrelétricas sob administração federal que podem servir para o cultivo de até 3,9 milhões/ton/ano”, escreveu Bolsonaro. Seif Júnior complementou: “Hoje, todo o Brasil produz 320 mil toneladas/ano. O potencial, somente de Itaipu, é de 400 mil ton/ano.”
A ideia, basicamente, consiste em lançar gaiolas em trechos dos reservatórios, estruturas conhecidas como “tanque-rede”, que ficam amarradas em boias. Dentro desses caixotes submersos, o peixe é criado desde a sua fase inicial de alevino até o momento de abate.
A Itaipu, que deve auxiliar no projeto de forma técnica, informou que esta é uma iniciativa do governo federal brasileiro e que, para ser colocada em prática, depende ainda da aprovação do congresso parlamentar paraguaio. E ressaltou que a empresa acompanha as tratativas, estudos e desdobramentos.
Riscos
Pesquisador do tema há 45 anos, Miguel Petrelli Júnior afirma que há uma série de riscos atrelados à criação em rios, mesmo que represados. Apesar de a tilápia não ser predadora, tampouco carnívora, é um peixe onívoro que se alimenta do que encontra pela frente. Como é de fácil adaptação e de rápida reprodução, acaba dominando a maior parte dos ambientes. “Em uma situação de escape desse peixe, essa consequência é clara”, resume Petrelli Júnior.
O especialista chama a atenção ainda para o uso de rios que formam esses reservatórios. “Em geral, os produtores colocam essas gaiolas nos braços do reservatório, que são as partes mais sensíveis. Com os dejetos do peixe, aumenta o volume de material orgânico, ampliando a formação de algas, roubando o oxigênio dos demais. Há clara deterioração do espaço ocupado”, explica.
Não é por acaso que, entre ambientalistas, a tilápia é chamada de o “eucalipto das águas”, por se adaptar facilmente a qualquer local, mas consumir a maior parte de seus nutrientes. “A tilápia chegou ao Brasil na década de 1950, para aumentar a psicultura na Região Nordeste, levar mais proteína. Foi quando ela começou a descer e se espalhou pelo Brasil inteiro. A verdade é que se perdeu o controle, não se consegue mais erradicar”, avalia Petrelli Júnior, que nesta semana foi eleito um dos 100 mil pesquisadores mais influentes do mundo.