Cotidiano

Tori Holmes, professora: 'O humor brasileiro é difícil para quem é de fora'

201605171524175680.jpg“Nasci em Newcastle Upon Tyne, na Inglaterra, mas, por causa do trabalho do meu pai, morei na Alemanha, Espanha, Japão, Suíça e Bélgica. Durante a graduação em Letras, morei no Peru. Fiz o doutorado no Brasil. Agora, moro na Irlanda do Norte, em Belfast, onde sou professora de Estudos Brasileiros na Queen?s University.”

Conte algo que não sei.

A cultura digital é um campo de estudos fundamental para pensar o Brasil. Ao estudar as cidades brasileiras, é muito difícil não entrar em contato com a cultura digital. Apesar da desigualdade, a tecnologia é muito presente na vida das pessoas, sobretudo nos centros.

E o que você descobriu nos seus estudos no Brasil?

No doutorado, o meu campo de estudos foi o Complexo da Maré. Defendi a tese em 2011, um ano antes de começar na Queen’s University, e, mesmo à época, havia muito conteúdo produzido pelos moradores das comunidades. São narrativas diferentes das apresentadas pelos jornais e que abrem um leque de representação mais amplo.

Você está desenvolvendo novas pesquisas aqui. Quais diferenças sentiu?

Pesquiso webdocumentários, de como diferentes formatos digitais são usados para falar sobre a cidade. Do doutorado para cá, o smartphone é uma ?novidade?! Quase não existia quando comecei a fazer pesquisas aqui. A rede social mais utilizada era o Orkut, agora é o Facebook. Pelo aumento no número de acessos por causa dos celulares, cada vez mais conteúdo é produzido e compartilhado. Em 2013, houve as manifestações que jogaram luz sobre o uso de plataformas sociais para o ativismo.

As manifestações de 2013 foram um marco para o entendimento da cultura digital aqui?

Sim , aconteceram num momento de outros protestos ao redor do mundo. Cada um tinha seu contexto, mas a presença forte de smartphones e redes sociais era um aspecto comum. Quem não conhecia o país, talvez tenha se surpreendido pelo Brasil ter essa cultura digital tão inovadora e dinâmica.

E o que mais se destaca na cultura digital brasileira?

Todos os estudos apontam que, apesar da desigualdade, quem tem acesso à internet no Brasil usa muito. O usuário brasileiro sempre aparece na ponta das tabelas sobre horas gastas em aplicativos e redes sociais. Outros pontos importantes são a governança, em que o país tem papel de destaque internacional, e o contexto de uso em comunidades carentes, o ativismo. Em termos teóricos, alguns pesquisadores brasileiros pensam a cultura digital na linhagem da antropofagia, usando a metáfora para discutir a relação entre elementos externos e internos. A cultura digital interage com contextos locais e configura-se de forma distinta no mundo.

Existe algum aspecto da cultura digital brasileira que chame sua atenção?

O humor. É um aspecto que se adaptou muito bem à velocidade e flexibilidade da cultura digital. Isso não se limita ao Brasil, mas o humor de vocês é bem brasileiro, algo difícil de ser entendido por quem é de fora. São muitas referências próprias, da política, das novelas, com o uso de gírias e linguagem coloquial e regional. Se tentar traduzir para um estrangeiro, ele não vai entender.

Você é a primeira brasilianista da Escola de Letras da Queen?s University. Como vê o interesse pelo país?

É um interesse crescente. Agora, no curso de Espanhol e Português, desde o primeiro ano os alunos têm, além da parte linguística, conteúdo cultural, social e político sobre o país. No terceiro ano, todos têm que passar um ano fora, em universidades de países de língua espanhola ou portuguesa. A maioria vai para Portugal, mas estamos conseguindo enviar alunos para cá. É mais caro, mas é possível.