Cascavel enfrenta uma nova dinâmica de compras: conheça o impacto do card de troca nos supermercados da cidade - Foto: Fotos: Nileide H. e Paulo A./O Paraná
Cascavel enfrenta uma nova dinâmica de compras: conheça o impacto do card de troca nos supermercados da cidade - Foto: Fotos: Nileide H. e Paulo A./O Paraná

Cascavel e Paraná - Era uma manhã comum de compras no supermercado. Tomates, cebolas, um tubo de creme dental, uma pequena embalagem de Nutella — itens comuns na vida cotidiana de milhares de consumidores. Mas agora, quem chega ao caixa, além da tradicional sacola de compras, segura um cartãozinho de plástico: é o card de troca — e ele diz muito sobre o que está acontecendo nos mercados da cidade.

Com movimentação mais intensa nem todos os setores no fim de ano, empresário redobram os cuidados para “proteger mercadorias” – Foto: Fotos: Nileide H. e Paulo A./O Paraná

O hábito de furtar produtos, segundo relatos de lojistas e empresários do varejo, mudou. Não se trata de grandes assaltos ou quadrilhas especializadas: são furtos cotidianos, pequenos itens que, somados, viram prejuízo grande no fim do mês. Em resposta, estabelecimentos começaram a retirar produtos das prateleiras, mostrando-os apenas na forma de cartazes ou amostras — e, quando o cliente quer levá-los, precisa apresentar um “card” no caixa para resgatar o item. Essa adaptação inusitada é reflexo de um fenômeno que vem mexendo com comerciantes, consumidores e a rotina de compras.

A rotina que virou dor de cabeça

Em redes de loja como a Havan, o problema ganhou proporções bem visíveis. Em Cascavel, apenas nas duas lojas da rede, os registros de furtos ultrapassaram 130 ocorrências só neste ano, conforme divulgou a assessoria da empresa à reportagem do Hoje Express — número que chama atenção em um ano que ainda nem terminou. No total das unidades da Havan no Paraná, já são mais de 2 mil furtos registrados neste ano.

Esses números, por si só, assustam. Para lojistas locais, eles espelham uma mudança no comportamento do consumidor: itens pequenos e de valor acessível — como produtos de higiene, alimentos ou cosméticos — passam a ser alvo frequente. O reflexo prático é que muitos desses itens deixaram de ser expostos na prateleira, substituídos por imagens ou amostras, com os produtos reais guardados até a finalização da compra.

Medo da Polícia, não! Só de amigos e familiares…

Há pouco tempo, a Havan vinha adotando uma estratégia diferente para tentar inibir os furtos: a divulgação, nas redes sociais, de vídeos dos flagrantes, batizados de “amostradinhos do mês”. A ideia, segundo a rede, era simples: mostrar quem estava cometendo o crime para gerar constrangimento social e, com isso, desestimular novas tentativas. Clientes e seguidores viralizavam os vídeos, que, segundo a empresa, atingiam dezenas de milhões de visualizações.

O resultado, ainda segundo a varejista, foi uma redução significativa nos furtos — mas a estratégia acabou proibida pela Justiça por questões ligadas à legislação de proteção de dados pessoais. Com isso, a divulgação foi interrompida e, depois disso, a empresa percebeu um aumento nos registros de furtos e arrombamentos, especialmente no período noturno.

“O que percebemos é que os criminosos não têm medo da Justiça ou da polícia, mas sentem vergonha de serem reconhecidos por familiares, amigos, vizinhos ou até por outras vítimas. Quando expostos, pensam duas vezes antes de agir”, disse o empresário responsável pela rede, reafirmando que todos os casos são registrados junto às autoridades competentes e que ninguém “escapa impune”.

Reflexo de um problema maior

O que acontece localmente em Cascavel e no Paraná ecoa um movimento nacional no varejo: os furtos, especialmente em supermercados, farmácias e atacarejos, têm pressionado o setor a repensar suas operações. Uma pesquisa recente sobre o varejo brasileiro identificou que o furto é um dos principais responsáveis pelas perdas operacionais, com impacto direto nos índices financeiros das empresas.

Segundo essa análise, segmentos como supermercados tiveram até 31% das perdas atribuídas aos furtos, num cenário em que as perdas totais do varejo continuam representando bilhões de reais em prejuízo.

Nenhum órgão oficial — da Guarda Municipal, Prefeitura, Polícia Militar ou entidades como a Apras — forneceu dados detalhados para esta matéria. Mas a percepção unânime entre comerciantes é de que a pressão sobre o varejo tem aumentado, levando a respostas que vão desde a retirada de produtos expostos até a adoção de tecnologia avançada de monitoramento e soluções inovadoras no atendimento.

Em Cascavel, mercados adotam a prática do “produto no caixa”: mais trabalho, porém, prejuízo menor – Foto: Fotos: Nileide H. e Paulo A./O Paraná

Entre a desconfiança e a compreensão

Lojistas relatam que câmeras, sistemas de alerta e integração com bancos de dados de segurança pública tornaram-se ferramentas rotineiras. Quando um indivíduo é identificado cometendo um furto, o registro é compartilhado internamente e cruzado com sistemas de outras lojas — na tentativa de antecipar novas ocorrências.

Mas os hábitos de furtar mudaram a relação entre lojista e cliente. Em muitos estabelecimentos, itens mais visados saíram das prateleiras para trás do balcão ou passaram a ser apresentados como amostras, com o “card” substituindo a exposição direta ao consumidor. Essa prática, curiosamente, tem sido recebida com diferentes reações: há quem reclame da burocracia extra no caixa, mas também há clientes que dizem entender a necessidade da medida.

“É estranho no começo, mas eu vejo que é para proteger todo mundo. Acho que todo mundo perde quando o varejo sai perdendo”, comentou uma consumidora em uma fila de supermercado.

E agora, qual o próximo passo?

A polêmica em torno da exposição de flagrantes nas redes sociais segue aberta, assim como o debate sobre os limites da legislação de proteção de dados versus estratégias de prevenção de perdas. Alguns empresários defendem alterações na lei para permitir essa prática em situações específicas, enquanto juristas alertam para riscos de constrangimento e até ações judiciais por danos morais.

Enquanto isso, pequenos comerciantes locais dizem que não têm outra saída senão se adaptar: seja com cards de troca, seja com equipes de prevenção mais atentas ou, ainda, com sistemas de segurança mais robustos, que antes pareciam um luxo.

No fim das contas, a mudança nos hábitos de consumo e a resposta dos varejistas revelam um cenário em transformação — e uma pergunta fica no ar: até que ponto o varejo precisará reinventar suas práticas para garantir segurança sem perder a leveza da experiência de compra?