Marcelo Leite alerta sobre incertezas para consumidores brasileiros se não houver nova tarifa entre Brasil e Paraguai - Foto: Rubens Fraulini/Itaipu Binacional
Marcelo Leite alerta sobre incertezas para consumidores brasileiros se não houver nova tarifa entre Brasil e Paraguai - Foto: Rubens Fraulini/Itaipu Binacional

Foz do Iguaçu e Paraná - Foz do Iguaçu – A Itaipu Binacional, responsável por cerca de 10% da energia consumida no Brasil e 86% da energia elétrica do Paraguai, vive uma das fases mais conturbadas de sua história. Entre rombos, gastos questionáveis e a paralisação de negociações estratégicas com o país vizinho, a usina se distancia cada vez mais de seu propósito original que era garantir energia limpa e barata para milhões de consumidores.

A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) apontou que a empresa pode acumular um rombo de R$ 333 milhões até 2026, um resultado que surpreendeu o setor elétrico — especialmente após o fim, em 2023, do financiamento de 50 anos que pagou a construção da usina.

Sob a gestão de Ênio Verri, indicado pelo governo Lula, as despesas cresceram em ritmo acelerado. Só entre março de 2023 e outubro de 2024, Itaipu desembolsou R$ 43,8 milhões em convênios e patrocínios — muitos sem ligação direta com a geração de energia.

Para 2025, mais da metade dos R$ 9 bilhões de orçamento está classificada na rubrica genérica “outros”, sem detalhamento público. Especialistas definem a situação como uma “caixa-preta” que compromete o controle social e a transparência.

O caso mais recente que acendeu o alerta foi o repasse de R$ 65 milhões à Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, para a desapropriação de um imóvel que há anos abriga parte das atividades da instituição.

A operação foi oficializada pelo Decreto nº 12.706, assinado pelo presidente Lula e pelo ministro da Educação, Camilo Santana. A Itaipu justificou o gasto alegando que a Unila é estratégica para o “desenvolvimento territorial” da região de atuação da usina.

Contudo, os recursos da Itaipu têm origem na tarifa de energia paga por cerca de 130 milhões de brasileiros, o que reacendeu o debate sobre o uso político dos fundos da binacional. Para especialistas, o dinheiro deveria ser destinado à redução das contas de luz, conforme determina o próprio Tratado de Itaipu.

Além do repasse à Unila, Itaipu já financia outras obras e eventos de grande porte — como os investimentos de R$ 1,3 bilhão em projetos urbanos e ambientais para a COP30, em Belém. Somados, os gastos “sociais” e institucionais da empresa ultrapassam US$ 1,5 bilhão por ano, valor que muitos consideram uma distorção de sua função primordial.

Paralisia do Anexo C

Paralisia do Anexo C

Enquanto as despesas crescem, a principal negociação da binacional está travada desde 2023. A revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, documento que define as regras financeiras e a tarifa de energia entre Brasil e Paraguai.

Segundo o auditor-chefe do Tribunal de Contas da União, Marcelo Leite, se não houver acordo até 2026, o país enfrentará incerteza energética a partir de 2027. A tarifa atual — de US$ 19,28 por kW — foi fixada provisoriamente e vence em dezembro de 2026.

As negociações estão suspensas desde abril de 2025, após o governo paraguaio alegar um ataque hacker que teria comprometido documentos do período de transição entre os governos Bolsonaro e Lula. Desde então, nenhuma reunião efetiva foi retomada.

Consultoria da Câmara aponta irregularidades

Consultoria da Câmara aponta irregularidades em gastos da Itaipu; pedido de CPI ganha força

A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados confirmou, em parecer divulgado ainda em setembro, que os gastos socioambientais realizados pela Itaipu Binacional não têm amparo legal e configuram desvio de finalidade. O relatório aponta que os recursos vêm sendo usados fora da missão institucional da empresa — a geração de energia — e reforça denúncias de uso político do orçamento da hidrelétrica.

Segundo o documento, não há base jurídica para incluir despesas socioambientais na tarifa de energia. Esses gastos, negociados entre Brasil e Paraguai desde 2022, representam uma despesa adicional anual de US$ 1,2 bilhão (mais de R$ 6 bilhões) paga pelos consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

O parecer conclui que a “nota reversal” usada para justificar as despesas — instrumento diplomático utilizado para alterar tratados internacionais — não pode criar encargos financeiros sem aprovação do Congresso Nacional. Isso, segundo o estudo, viola a Constituição Federal e rompe o equilíbrio econômico-financeiro da binacional.

O relatório lembra que, em 2009, o próprio governo brasileiro reconheceu a necessidade de submissão de alterações do Tratado de Itaipu ao Legislativo, quando elevou de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões os pagamentos ao Paraguai pela cessão de energia. Na ocasião, o acordo foi encaminhado formalmente à Câmara e ao Senado.

Para o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), autor do pedido de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito de Itaipu, o parecer é “um divisor de águas”. “Esse dinh     eiro pertence ao Brasil. A utilização política desses recursos é ilegal e precisa ser investigada com urgência”, afirmou. O parlamentar já obteve mais de 100 assinaturas para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito, das 171 necessárias.

Itaipu e a COP 30

COP 30

A Itaipu Binacional investiu cerca de R$ 1,3 bilhão na infraestrutura de Belém para a COP30, com a construção de um hotel com 405 suítes de luxo para lideranças, obras de saneamento básico, pavimentação e iluminação.