Assistimos a cada dia, a cada semana, a cada mês, há mais de dois anos, aos capítulos de uma novela que não termina, como tantas outras, sobre as mudanças que salvarão o Brasil da miséria, da fome, do desemprego, da violência, do sucateamento da saúde, da precariedade da educação básica e superior, das polícias, dos presídios.
Lamentavelmente, as mudanças parecem se resumir em uma só: “reformar a Previdência Social”.
A declaração é atribuída a uma entidade fantasma: o mercado, ou seja, os que têm muito dinheiro e aplicam em ações e títulos públicos e privados.
Ora, meus senhores, já vimos esse filme várias vezes, com Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro, que quer usar a reforma “Frankenstein” de Michel Temer.
FHC, Lula e Dilma fizeram reformas em nome de reduzir privilégios e déficit e nada disso aconteceu. Só ampliaram o favorecimento de um mercado que não quer saber de programas sociais, só de lucros em aplicações financeiras.
Não há no mundo civilizado uma linha sobre o Brasil, a economia brasileira.
Dizer que as bolsas de Nova Iorque, Paris, Frankfurt, Xangai, Hong Kong, Tóquio exigem a reforma da Previdência é uma farsa do engodo que dimensiona a tragédia nacional.
Ninguém fala em reduzir a dívida pública que suga a poupança nacional, beneficiando justamente total mercado de um neoliberalismo perverso e não tem paralelo em economias capitalistas modernas.
Ninguém fala que o problema principal da Previdência Pública (RGPS) está no seu financiamento, na não fiscalização e na cobrança dos que se beneficiam, como o agronegócio (que deixa de pagar R$ 100 bilhões/ano), bem como as renúncias (principalmente de filantrópicas, agronegócio, Supersimples e MEIs), as desonerações, os Refis e os subsídios, com contribuição de 50% e benefícios de 100%.
É certo que a Previdência da União, dos estados e dos municípios (os chamados regimes próprios) estão no fundo do poço, mas os militares nunca pagaram. Estados e municípios recolhem dos servidores e não pagam o INSS, ou transferem por seus fundos.
Preocupo-me, como previdenciário há 40 anos, com o RGPS, com o INSS.
Todos que fizeram a reforma da Previdência não economizaram um tostão. Pelo contrário, escancararam os ralos com Refis e mais Refis para honrar seus compromissos com os financiadores de seus partidos e políticos os caloteiros públicos (mais de R$ 100 bilhões para estados e municípios, uns R$ 500 bilhões para indústria, comércio, transformação e serviços, e R$ 20 bilhões para o agronegócio).
O novo ministro fala que a inadimplência é de 40%. Por que não cobra deles, primeiro? Por que não cobra a dívida ativa que cresce exponencialmente e ainda entrega a PGFN, que deveria cobrar a dívida ativa, a parasitas e incompetentes?
O novo ministro fala em 40 milhões de informais. Por que não buscar mecanismos para que paguem corretamente se sonham em se aposentar? Que paguem 50% e tenham um benefício de 50%. É correto. Não como fizeram Lula e Dilma que, em nome da inclusão previdenciária, criaram seis novos funrurais que, se não forem revistos com urgência, vão implodir o RGPS mais adiante.
O ministro fala em ralos. Por que não acabar com renúncias, desonerações, Refis, benefícios criados sem o devido custeio, para agradar a base política na base do toma lá dá cá?
O modelo previdenciário brasileiro é ímpar no mundo contemporâneo. O ministro não fala nos R$ 1,5 trilhão dos ativos da previdência complementar aberta dos planos e fechada dos fundos. Nenhum país como o nosso tem ativos que financiam 100% a dívida pública e pagam 31 milhões de aposentados e pensionistas; 4,5 milhões de benefícios assistenciais e financiam quase 70% dos municípios e ainda é a maior redistribuidora de renda.
O novo ministro fala em copiar o modelo chileno totalmente falido e com os aposentados na miséria. Modelo criado pelo irmão do atual presidente na ditadura chilena e que ele está revendo. Lembremo-nos que o Chile não tem 20% da população do Brasil (são 18,5 milhões para 205 milhões).
O novo ministro fala em instituir o regime de capitalização, mas na realidade é instituir a previdência sem contribuição patronal (sonho de todo empresário é deixar que o trabalhador se vire), o que inexiste no mundo. Se existe, diga onde.
Fala em mudar o modelo alemão, modelo perverso, um sistema orientado somente pela remuneração, privilegiando somente os de alta remuneração, sem o regime de solidariedade. Os alemães pobres, com remuneração baixa, dependem na velhice de ajuda social do governo.
O ministro erra redondamente quando acha que o regime de repartição simples está superado. Nem a Escola de Chicago acha!
O grande engodo foi nos enganar que fariam a reforma necessária, com quem entende de Previdência, os previdenciários, mas me parece que já vem um prato feito e requentado para atender os interesses de banqueiros e de seguradoras e de investidores ávidos e sequiosos pelos rendimentos de ações.
Nosso novo presidente pregou durante sua campanha esperança, mudanças, “doa a quem doer”, acabar com as desigualdades, acabar com a violência, sem roubar e sem mentiras.
Prefiro admitir que quem mente também rouba, corrompe, pois rouba o direito de se saber a verdade do que está por trás da reforma da Previdência, RGPS e Regimes Próprios.
Paulo César Régis de Souza é vice-presidente Executivo da Anasps (Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social)
Ninguém fala em reduzir a dívida pública que suga a poupança nacional, beneficiando justamente total mercado de um neoliberalismo perverso
O ministro fala em ralos. Por que não acabar com renúncias, desonerações, Refis, benefícios criados sem o devido custeio, para agradar a base política na base do toma lá dá cá?