Cotidiano

Pedro Erber, filósofo: 'A arte do Japão está mais próxima que imaginamos'

201607071623323923.jpg “Tenho 41 anos e nasci no Rio. Acabei de passar um ano sabático em Tóquio. Moro em Ithaca, Nova York, desde 2002. Passei temporadas em várias cidades americanas e do Japão. Sou professor do departamento de Literatura da Cornell University. Foi na Alemanha, onde estudava Heidegger, que nasceu o meu interesse pelo Japão.”

Conte algo que não sei.

A arte de vanguarda do Japão começa num contexto de pós-guerra. A ideia de liberdade era fundamental. Os artistas não eram propriamente otimistas, mas tinham uma utopia de achar que podiam mudar as coisas. Mas, ao longo dos anos, houve uma divisão dessa arte. Alguns deixaram de pensar em política e passaram a refletir sobre questões metafísicas. E os movimentos sociais foram diminuindo. O final dos anos 1960 é marcado por um certo pessimismo no campo da arte. A exposição da qual sou curador termina com duas obras de Yutaka Matsuzawa. Uma fica pendurada no teto e se chama “Minha morte”. A outra é uma faixa que diz: “Humanos vamos desaparecer”.

Nada alentador.

“Minha morte” é mais sombria. Mas a faixa tem uma certa ironia, quase um humor negro, porque é rosa cintilante. Há essa nuance. Não é uma obra triste.

Nada de samurais, ninjas, gueixas ou manguás, portanto.

As pessoas não verão um Japão como se costuma imaginar, diferente ou exótico. A arte de vanguarda era engajada na política e nos movimentos sociais que estavam acontecendo à época no país. São obras que mostram como os artistas pensaram e concretizaram a relação entre arte e política.

Como?

Alguns iam às zonas de conflito e retratavam os acontecimentos, mas não de modo realista. Usavam técnicas de vanguarda, com influência do surrealismo. Existe uma pintura chamada “Sunagawa nº 5” que retrata o episódio da construção de uma base americana no subúrbio de Tóquio em que os camponeses resistiram à desapropriação das terras.

Se esses mesmos artistas vivessem hoje que Japão retratariam?

Não sei dizer. E é difícil saber se teriam resistido à comercialização da arte que se impôs nas últimas décadas. Não pensavam numa arte que pudesse ser consumida fora do Japão. Hoje isso existe. E a vanguarda se diluiu. Quando fui ao Japão pela primeira vez, descobri que as gerações mais jovens nem sabiam quem eram os artistas daquela época. De uns dez anos para cá é que estão começando a tomar conhecimento, por meio de exposições nos Estados Unidos e no próprio Japão.

Como a arte de vanguarda do Japão dialoga com o Brasil?

Ela está muito mais próxima do que imaginamos. Naquela época, tanto aqui como lá, críticos e artistas se dividiam: uns defendiam uma pintura abstrata livre, pois pensavam a liberdade como algo individual. Outros, ao contrário, diziam que arte abstrata era alienada. Além disso, no começo dos anos 1960 surgiu um grupo de jovens artistas que achava que a pintura não era suficiente como meio de intervenção da sociedade. Por isso, tiraram a pintura da tela e entraram no espaço tridimensional. O modo como pensaram essa arte tem afinidade com o trabalho de brasileiros da época, como Hélio Oiticica e Lygia Clark.

E Cildo Meireles.

Quem vê obras do Genpei Akasegawa notará semelhanças com o trabalho de Cildo Meireles, que também experimentou com cópias de cédulas. Trouxemos ao Rio a nota de mil ienes que o Akasegawa fez à mão. Ele foi processado pelo governo japonês por produzir uma obra que se parecia com um documento oficial. O processo durou sete anos. Foi o evento mais importante da história da vanguarda japonesa nos anos 1960. Ele foi considerado culpado, mas não foi preso.