BRASÍLIA – Mais dois artistas recusaram a Ordem do Mérito Cultural por considerar o governo Temer “ilegítimo”. Além de Marcelo Rubens Paiva, como mostrou O GLOBO em outubro, Daniela Thomas e Arthur Omar rejeitaram o prêmio, entregue na semana passada na cerimônia de comemoração ao centenário do samba no Palácio do Planalto. O evento teve ainda ausências de dois agraciados ou representantes, o que fez com que seus nomes fossem ignorados pelo mestre de cerimônia.
Daniela Thomas, Arthur Omar e Marcelo Rubens Paiva rejeitaram a comenda há cerca de um mês, quando foram comunicados pela Cultura que seriam agraciados. Seus nomes não foram divulgados pela pasta, seja no Diário Oficial, que trouxe a lista completa dos 36 homenageados – 30 artistas e seis fundações – ou em portais do governo federal.
? Apesar de ser um prêmio muito importante, não me senti nada confortável em aceitá-lo de um governo pelo qual não tenho nenhuma admiração ? disse Daniela Thomas ao GLOBO.
A cenógrafa, figurinista e diretora de cinema é finalista do prêmio Shell de teatro de São Paulo deste ano pela cenografia em “A Tragédia Latino-americana”, e recebeu com o codiretor Walter Salles o prêmio Cannes em 2008 por “Linha de Passe”, em nome da atriz Sandra Corveloni. Daniela, que também fez parcerias com o pai, o cartunista Ziraldo, foi responsável pela museografia do Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu.
Daniela Thomas trabalhou na direção artística da Olimpíada do Rio com Marcelo Rubens Paiva, que também disse não ao prêmio. Outros membros da equipe aceitaram a condecoração: Vik Muniz, Fernando Meirelles, Andrucha Waddington e Fred Gelli.
? Não me arrependo da recusa. Não votei na Dilma, mas o governo Temer não me representa ? disse Marcelo Rubens Paiva ao GLOBO.
A coluna Gente Boa havia mostrado a negativa do escritor ao prêmio em outubro.
Premiado em literatura, cinema, teatro e por seu blog, Marcelo ganhou o Jabuti de 1983 por “Feliz Ano Velho”, um dos livros mais celebrados da década de 1980. A obra literária mais recente de Rubens Paiva é “Ainda Estou Aqui”, de 2015, que retoma o tom autobiográfico que o lançou para o sucesso.
Autor do ensaio de retratos “Antropologia da Face Gloriosa”, que catalogou 161 retratos do Carnaval por mais de duas décadas, o fotógrafo e cineasta Arthur Omar também se negou a receber a Ordem “por razões morais”.
“Recusei essa honraria por razões morais e por não querer receber a comenda pelas mãos de um governo que considero ilegítimo. É um momento triste para mim, mas a decisão foi tomada depois de muito pensar sobre o assunto. Iria contra tudo que eu acredito, e estaria em contradição com a minha obra”, escreveu Arthur Omar em e-mail a pessoas próximas.
A Ordem do Mérito Cultural, que reconhece pessoas com “relevantes contribuições à cultura nacional”, foi criada em 1995 e é feita anualmente no começo de novembro, em comemoração ao Dia Nacional da Cultura. Na edição deste ano, foram premiados postumamente, além de Ismael Silva: Noel Rosa, Donga, Papete e Clementina de Jesus.
SILÊNCIO SOBRE AUSENTES
O sambista Jorge Aragão faltou à cerimônia da semana passada, e não mandou representantes. Ismael Silva, falecido em 1978, também não foi representado, apesar de ter sido escolhido para a classe mais alta da Ordem do Mérito Cultural: Grã-Cruz. Ismael é um dos fundadores da primeira escola de samba do Brasil, a Deixa Falar, de 1928, e também é tido como o inventor do termo “escola de samba”.
Aragão e Silva estavam na lista de premiados do Ministério da Cultura, em materiais de divulgação do evento e em sites do governo federal. No entanto, na hora de anunciar seus nomes, o mestre de cerimônias ignorou-os. O telão do evento trazia ambos os artistas, mas eles foram “pulados”.
A assessoria de imprensa de Jorge Aragão afirma que houve problemas de agenda. A reportagem não conseguiu localizar representantes de Ismael Silva. Procurado, o Ministério da Cultura não respondeu sobre as ausências ou rejeições.
?COMUNICAÇÃO EXTRAORIDINÁRIA?
Razão da recusa de pelo menos três artistas, o presidente Michel Temer, cujo cargo é consequência do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, empolgou-se no discurso, anunciando mais verbas para a área cultural – pedindo “aplausos” nesse momento – e pregando “comunicação extraordinária” entre artistas e governo. Logo que assumiu o Planalto interinamente, em maio, Temer extinguiu o Ministério da Cultura, mas recuou da decisão diante da repercussão negativa e ocupações contra o governo.
? Sem dúvida, a cultura é o mais importante bem do povo brasileiro. É por meio dela que nós nos comunicamos. Veja a comunicação extraordinária que se deu aqui, entre todos nós. A alegria que, como acabei de mencionar, tomou conta deste plenário, deste auditório ? declarou o presidente, que encerrou a fala dizendo que estava “tranquilo”.
? No momento, vocês sabem, aqui, no Palácio, em Brasília, são sempre momentos de tensão. Hoje, Marcelo (Calero, ministro da Cultura), você vai me proporcionar um sono tranquilo, porque eu estou inteiramente distensionado.
O ministro também voltou a repetir o bordão de Temer, de pacificação nacional.
? Um Brasil onde todas as formas de preconceito e segregação se transformem numa grande kizomba, em que todos nós, filhos de Ciata, Zumbi, João Cândido e tantos outros, nos reunamos numa mesma emoção.