Reportagem: Cláudia Neis
Cascavel – A busca, a distribuição e, principalmente, o consumo dos medicamentos que compõem o chamado Kit Covid (ivermectina, cloroquina ou hidroxicloroquina, azitromicina, nitazoxanida, vitamina D, zinco, prednisona ou prednisolona, entre outros), para o tratamento precoce da covid-19, vêm preocupando a comunidade farmacêutica.
Diante da situação, um grupo de farmacêuticos de Cascavel e região que atuam como professores e pesquisadores emitiu uma carta à sociedade para alertar, esclarecer e desmitificar o possível engano que a propaganda e o estímulo do uso desses kits pode causar. “A nossa intenção é alertar as pessoas para o risco do consumo desses medicamentos que não têm comprovação de combater a covid e que podem causar uma série efeitos e danos à saúde de quem os utiliza sem orientação. É lamentável que os gestores públicos, além de validarem esse tratamento sem comprovação, estão usando recursos públicos para comprar e distribuir esses kits como se fossem a cura. Existem cientistas do mundo inteiro buscando a cura para a covid-19; se ela estivesse em medicamentos de custo baixo e já disponíveis no mercado a comunidade científica seria a primeira a se pronunciar. Então, pedimos às pessoas um pouco mais de confiança na ciência antes de se automedicar e acreditar em anúncios sem comprovação”, explica uma das autoras da carta, Suzane Virtuoso, que é farmacêutica e professora do curso de Farmácia da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná).
Riscos
Suzane ressalta ainda que o incentivo à automedicação passa a imagem de que há um tratamento efetivo para os pacientes e, com isso, desestimula o uso de medidas que comprovadamente auxiliam na prevenção da contaminação. “Quando se passa a impressão de que há um tratamento eficaz, as pessoas deixam de se preocupar em se prevenir. Ou seja, além do risco à saúde com o uso das substâncias, as pessoas ainda deixam de se preocupar com as medidas de distanciamento social, uso de máscaras e higienização frequente das mãos, uso do álcool em gel, que são os nossos únicos recursos comprovadamente eficazes no combate à covid-19” ressalta Suzane.
Ao fim do documento, os profissionais frisam a necessidade de aguardar a comprovação científica do tratamento: “Por fim, gostaríamos de frisar que iniciativas sem comprovação científica são graves em várias dimensões: estimulam o mau uso do recurso público, ferem políticas públicas de saúde, criam falsa expectativa de cura e segurança para a população podendo levar a diminuição da adesão às medidas sabidamente eficazes. É preciso cumprir o primeiro preceito da Medicina ‘Primum non noccere’, ou seja, antes de tudo não fazer mal, e aguardarmos as certezas científicas”.
Produtos se esgotam nas prateleiras
O volume da venda dos medicamentos do “Kit” aumentou de forma assustadora e chegou a zerar os estoques. Para se ter uma ideia, em uma rede de farmácias com mais de 15 lojas em Cascavel, o volume de ivermectina vendido em junho e julho deste ano foi igual à soma de quase sete anos de demanda normal. A rede, que mantém estoques para períodos de três a quatro meses, viu o medicamento sumir rapidamente e precisou recorrer à indústria de forma urgente.
Já a hidroxicloroquina teve o estoque esgotado em duas horas logo após o anúncio de possível eficácia pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda em março. De lá até julho foram vendidos o equivalente a dois anos. Vale lembrar que o medicamento passou a ser distribuído aos hospitais pelo governo.