A violência, em especial a intrafamiliar, que tantas vezes perdura na obscuridade, agora ganha focos de luz. Com os olhos apertados, o sujeito oculto vem sendo revelado e novos mecanismos contra a violência doméstica começam a ganhar espaço no dia-a-dia, a fim de dar uma resposta social aos dados alarmantes sobre o tema.
Assim, aqueles que restaram na invisibilidade começam a ter seus direitos reconhecidos. O direito de família traçou uma triste história de exclusões dos vulneráveis e daqueles que fogem do convencional, afinal de contas o meio jurídico, enquanto prática de discurso, garantiu privilégios aos homens brancos e de classe alta, em especial no ambiente privado do lar. Contudo, tem sido aprofundado o entrelaçamento entre os espaços público e privado, de modo que há maior intromissão do Estado no exercício da autonomia da vontade dos indivíduos, em proteção da dignidade dos membros familiares.
Por esse motivo, crianças invisibilizadas pelo feminicídio agora podem contar com um novo direito: a pensão especial. As “crianças invisíveis” são aquelas que perdem ambos os pais pela prática do feminicídio: a mãe, pela morte, o pai, pela condenação criminal e perda do poder familiar, mas perdem também a infância, ao experimentar a dor da violência no local que deveria ser referência de acolhimento e amor.
crianças, em geral, são redirecionadas à família extensa que nem sempre conta com estrutura psicológica e econômica para garantir o pleno acolhimento. Cabe, portanto, ao Estado atuar para minimizar os efeitos da violência. Já existem políticas públicas de acolhimento social e psicológico, por meio do Sistema Único de Saúde e da Assistência Social, no entanto, o aspecto financeiro permanecia desguarnecido.
Dessa forma, em 2023, foi estabelecida lei que garante pensão especial, no valor de um salário mínimo, aos filhos e menores dependentes de mulheres vítimas de feminicídio com renda familiar modesta. É possível pleitear a pensão como medida provisória, antes do julgamento, para garantir desde já a proteção dos vulneráveis. Caso não confirmado o feminicídio, não haverá obrigação de devolução dos valores, salvo comprovada má-fé. E essa proteção não prejudica direito de indenização pelo agressor.
Aliás, não é somente a prática do feminicídio que é indenizável, sendo que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou quanto à indenização por dano moral às mulheres vítimas de violência, tendo em vista todos os tipos de violência possíveis em âmbito doméstico: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Ou seja, vale também para as violências invisíveis, como a psicológica (atualmente, é o tipo de violência contra a mulher com um dos maiores números de vítimas, segundo o Dossiê Mulher 2023).
A violência doméstica não escolhe idade, nem classe social, mas está enraizada nas questões de gênero, que seguiu camuflada por discursos moralistas por muito tempo. Mas, a venda da Justiça não deve servir para esconder injustiças, senão para tratar com igualdade todos os indivíduos, pois todos são dignos aos seus olhos.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas