Cotidiano

Doze anos após falência, fazendas da Boi Gordo vão à leilão

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SÃO PAULO – Em 2001, José Luiz Peres trabalhava na Fazendas Reunidas Boi Gordo e convenceu seu pai a aplicar os R$ 110 mil da venda da casa da família em papéis da empresa, que prometia rendimentos de 42% em 18 meses em uma época que os juros estavam em torno de 18% ao ano. A mulher de Peres pediu demissão do banco no qual estava há quase 20 anos para trabalhar com ele, uma vez que a comissão paga era de 7% a 9 %, muito elevada para um produto fácil de vender. Poucos meses depois, em dezembro do mesmo ano, a Boi Gordo entrou em concordata, e o pai de Peres e outros 32 mil investidores perderam suas aplicações. Agora, 15 anos depois, esse grupo de credores tem uma chance real de recuperar parte do dinheiro investido. Tudo dependerá do sucesso do leilão de duas fazendas do grupo, avaliadas em R$ 509,8 milhões, que começa nesta terça-feira.

? Meu pai faleceu e não recebeu o dinheiro. Era o único bem do inventário do meu pai e agora e minha irmã acreditamos que há chance de receber alguma coisa ? disse.

Os valores investidos na época da falência da empresa, que ocorreu três anos após o pedido de concordata, somavam R$ 1,2 bilhão e, corrigidos, chegam a R$ 4 bilhões. Recuperar apenas uma parcela disso parece pouco, mas é uma raridade na história empresarial brasileira. Além disso, as dívidas trabalhistas, de cerca de R$ 70 milhões, já foram totalmente quitadas, o que ainda não ocorreu em outras grandes falências do país como os casos da Mesbla, Mappin, Varig e Vasp. E a massa falida da Boi Gordo tem em caixa cerca de R$ 160 milhões, sendo que parte dos recursos já está reservada para o pagamento de impostos em atraso, que devem custar entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões.

As duas fazendas, Realeza do Guaporé I e II, localizadas no município de Comodoro (MT), possuem uma área de 135 mil hectares, o equivalente à área urbana de São Paulo. As terras podem ser utilizadas para pecuária e lavoura. Gustavo Henrique Sauer de Arruda Pinto, síndico da massa falida, acredita que, apesar do cenário econômico recessivo, o leilão deve ser bem sucedido – as duas tentativas anteriores foram interrompidas e, por essa razão, o modelo do certame foi alterado.

? Fizemos um trabalho de regularizar toda a papelada das propriedades e fizemos um estudo super detalhado em relação ao solo. Isso dá maior segurança a quem for comprar ? disse Pinto, lembrando que estrangeiros não podem participar diretamente do certame porque as fazendas estão há menos de 150 quilômetros da fronteira e a legislação restringe a brasileiros essas áreas.

O leilão que tem início hoje pode receber propostas de forma eletrônica até a próxima sexta-feira (dia 19), sendo que o mínimo é o valor de mercado. Na mesma data haverá um pregão viva voz. Se não houver interessados, terá início a chamada segunda praça do leilão, em que o valor mínimo terá um deságio de 40%.

Se ninguém comprar, terá início a fase de venda por lotes, que deve ser feita em setembro. A área foi dividida em 31 lotes, avaliados de acordo com as características da terra e estrutura da área. Alguns possuem pista de pouso para aviões, armazéns, currais, casa para os colonos e sedes sociais com piscina. Nessa etapa, cada lote terá um desconto de 30% e 40% do valor de mercado.

O pagamento será feito com uma entrada de 20% e seis parcelas semestrais, dessa forma, o futuro proprietário terá como fazer o pagamento com os recursos das vendas das safras agrícolas (as colheitas são semestrais).

Outras fazendas da empresa já foram vendidos desde a falência da empresa, mas eram de porte menor. O síndico lamenta que a “joia da coroa” da massa falida entre em leilão no momento da economia em recessão, o que reduz a chance de grandes ágios sobre os valores mínimos — uma das fazendas foi vendida com ágio de quase 70%.

E apesar da chance ser pequena, Pinto e os representantes de associações de credores não descartam que os investidores consigam recuperar a integralidade do investimento – e com correção. Isso porque há um processo em paralelo, chamado de segunda fase da falência, que prevê a venda de ativos que pertencem aos últimos proprietários da Boi Gordo, o grupo Golin. O bloqueio desses bens, que somam mais de R$ 4 bilhões, já foi determinado pela justiça em uma decisão de primeira instância.

? O rateio do leilão não dará valores muito significativos aos credores, mas ainda assim é algo inédito para uma falência que tem um número recorde de credores. Já na segunda etapa da falência, esses valores podem subir, já que já houve o bloqueio dos bens de pessoas ligadas ao antigo dono ? avaliou Elizabeth de Gennari, advogada e representante da Associação 15 de Outubro de Credores da Boi Gordo.

RETORNO DE 42% EM 18 MESES

Estão entre os 32 mil credores que esperam por esse dinheiro muitos investidores de pequeno porte, mas também artistas, profissionais da área financeira e jogadores de futebol que viram uma forma rápida e fácil de ganhar dinheiro com uma das vocações do Brasil, a agropecuária. A Boi Gordo foi fundada em 1996 por Paulo Roberto de Andrade. A proposta era simples, você investia na compra de um boi e após 18 meses recebia o dinheiro acrescido dos 42%, lucro conquistado com a venda do animal já engordado.

A prova dessa transação eram os certificados de investimento emitidos pela empresa ao investidor, mas o que se descobriu depois foi um verdadeiro esquema de pirâmide financeiro, ou seja, era um boi de papel. Com lucro fácil, foi fácil atrair investidores. A aplicação teve até direito à merchandising na novela O Rei do Gado, exibida no primeiro ano de operação da empresa.

Quando a empresa entrou em concordata, já com sinais de que se tratava de uma pirâmide financeira (o resgate dos investidores mais antigos era pago com a entrada de novas pessoas no sistema), o Grupo Golin, do empresário Joselito Golin, comprou a empresa, prometendo colocá-la no eixo. Isso não aconteceu e a Boi Gordo entrou em falência em 2004.

Suspeitando do desvio de recursos e bens, as associações de credores e o síndico da massa falida contrataram uma empresa americana para rastrear os bens do empresário e pessoas próximas. A conclusão é que Golin pode ter vendido bens da Boi Gordo, remetido ao exterior e, após suposta lavagem, voltou ao Brasil. Com base nisso, a justiça paulista determinou o bloqueio de quase R$ 5 bilhões em bens desse grupo.

? Essa radiografia foi feita por dois anos. Esse dinheiro foi para os Estados Unidos e quando voltou foi usado para comprar bens no Brasil. É esse dinheiro que agora está bloqueado ? explicou José Luiz Silva Garcia, advogado que representa um grupo de 6,5 mil credores da Boi Gordo.

Procurado, o advogado da família Golin, Julio Mandel, negou, por e-mail, que seus clientes tenham desviado qualquer bem da Boi Gordo. “Estamos otimistas que esse bloqueio será revertido. O que se discute agora é uma indenização, mas já provamos que não se pode indenizar por bens que não existiam”, explicou.