Política

Crianças surdas rodam 100 km diários para estudar

Toledo – O dia nem clareou completamente, mas mãe e filho precisam seguir. De mãos dadas e apressados, rumam para ponto de ônibus que fica 13 quadras da residência da família. Quando a van finalmente chega, o menino embarca e com nove outras crianças segue de Toledo para Assis Chateaubriand. Dívidas, dúvidas na prestação de contas e uma investigação no MP (Ministério Público) contribuíram para essa realidade. Famílias e funcionários buscam apoio para a reabertura da entidade.

Depois do fechamento da Apada (Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos) no fim do ano passado, essa tem sido a saga dos alunos para acessar uma vaga na rede de ensino. Aos pais resta a preocupação com a segurança da estrada mal conservada, a rotina alterada pelos horários e a insegurança de que seus filhos estejam com atendimento compatível ao que era possível nos áureos tempos em que a entidade os atendeu. Dias de chuva e frio agravam a espera e o traslado dos alunos. A vontade de oportunizar aos filhos igualdade e conhecimento precisa superar todos esses desafios.

As circunstâncias reais do fechamento da entidade criada em 27 de junho de 1987 ainda não foram completamente elucidadas, mas a falta de prestação de contas de cerca de R$ 15 mil conquistados por convênio com o Município de Toledo foram determinantes para que os recursos cessassem e que o caos financeiro em poucos meses provocasse atraso de salários, falta de materiais e então fechar as portas foi a única saída. Os funcionários tentaram ao limite, mas, sem salários, optaram pela demissão, além de famílias inteiras que pagam a conta sem saber ao certo o que aconteceu.

O fechamento da entidade não abalou apenas a educação formal do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental para surdos e deficientes auditivos de Toledo, mas alunos de outras cidades também eram atendidos na Apada, chegando a 100 estudantes. Além da parte da educação formal, havia o reforço escolar e, sobretudo, trabalhos na área de assistência social.

Inserção e cuidado

Outras atividades como projetos com surdos adultos, curso de libras, artes, trabalhos manuais, atividades esportivas, encaminhamento ao mercado de trabalho, passe livre, exames de audiometria, acompanhamento de surdos que não têm família em consultas médicas, exames, advogados, bancos, delegacia, suprindo uma lacuna do serviço público, já que a linguagem de libras é a única capaz de possibilitar comunicação efetiva com o grupo e não está presente na maioria dos serviços públicos.

Segundo a assessoria jurídica da entidade, o problema efetivamente foi de gestão da entidade e o financiamento de suas atividades era basicamente convênios com o Estado e o Município e esses foram rompidos por uso de recursos desses convênios para despesas não previstas no plano de aplicação.

Ainda de acordo com a assessoria, esse fato resultou em paralisação dos repasses desde o início do ano passado e os serviços foram mantidos ao longo do ano, mas importou em dívidas com os profissionais e também na devolução dos recursos recebidos parcialmente no exercício passado. Além das dificuldades financeiras, as ações trabalhistas preocupam. Um procedimento em análise no Ministério Público pode resultar ainda em ações judiciais.

Prefeitura quer retomar imóvel

Na última semana houve questionamentos sobre a intenção da Prefeitura de Toledo de retomar o imóvel e outros bens e equipamentos comprados com dinheiro público. O terreno é do Município e foi cedido à entidade, mas toda a construção foi feita sem dinheiro público. A hipótese é de que, se não houver entendimento, a situação também pode se tornar litigiosa.

Extraoficialmente, a administração municipal teria interesse em incorporar o imóvel para o Município e instalar a Secretaria de Educação, que está em prédio alugado. Outra saída é que a dívida da entidade seja paga por meio de um grupo solidário e que os trabalhos possam ser retomados, já que o valor patrimonial e social excede as ações e os débitos deixados pela antiga gestão.

A defesa dos antigos funcionários e das famílias é pela punição dos culpados pelos erros na prestação de contas e investimentos e que a entidade e as famílias não paguem a conta.

O diretor de Patrimônio Público da Prefeitura de Toledo, Norisvaldo Penteado de Souza, nega que a decisão já tenha sido tomada pela administração municipal. “Foi nomeada uma comissão paritária para que um projeto de recuperação seja apresentado ou mesmo uma nova destinação para que de alguma forma atenda as pessoas com deficiência auditiva”, afirma.