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Copel é sócia de projeto que nunca saiu do papel

Ex-diretor investiu, sem autorização, R$ 161 milhões da Uega, uma das 14 subsidiárias da estatal paranaense

Curitiba – A Uega (UEG Araucária), uma das 14 subsidiárias da Copel (Companhia Paranaense de Energia), foi alvo de investigação que durou nove meses e demandou a contratação de auditorias independentes, com custo de R$ 11,84 milhões. Resultado: a descoberta da aplicação de R$ 161 milhões do capital da empresa entre 2014 e 2016 em um projeto imobiliário em Osasco (SP), particular, que até hoje não saiu do papel. As informações são do jornal Valor Econômico, em reportagem assinada por Maria Luiza Filgueiras e Fernando Torres.

O “investimento” só foi descoberto porque a Copel precisou fazer um “ajuste” de R$ 150 milhões no balanço do grupo, o que escancarou a falha de governança e de controle. Por ter papéis negociados na Bolsa de Nova York, a Copel precisou informar a baixa no balanço, mas sem detalhar. Esses detalhes foram descobertos pela reportagem do Valor.

Com 20 funcionários, a Uega detém uma usina térmica a gás em Araucária e só acionada em momentos de baixa oferta de energia no País. Sua controladora é a Copel, dona de 80% das ações. A Petrobras detém os outros 20%.

A descoberta que levou à republicação dos balanços ocorreu em outubro de 2017, quando a Copel preparava suas informações financeiras do terceiro trimestre daquele ano.

Adriano Rudek de Moura, que assumiu a diretoria Financeira da Copel em maio, precisava reforçar o caixa da holding e determinou que R$ 100 milhões fossem repassados pela Uega, que havia divulgado no balanço de junho um saldo de R$ 221 milhões na linha de “títulos e valores mobiliários”. Então a surpresa: o então diretor administrativo e financeiro da Uega, Erlon Tomasi, respondeu que o dinheiro não estava disponível.

Foi então que a controladora descobriu que boa parte desse dinheiro não tinha liquidez imediata como a Uega informara no balanço então auditado pela BDO e até 2015 pela KPMG.

É que Tomasi, sem autorização, investiu os R$ 160 milhões entre 2014 e 2016 em um fundo multimercado e cujo resgate só seria permitido em quatro anos. Além da indisponibilidade do dinheiro, a Copel foi desdobrando o destino final do capital e descobriu que havia se tornado sócia relevante, com 19,3% de participação indireta, de uma empresa de capital fechado dona de um grande projeto imobiliário em Osasco, na Grande São Paulo. O detalhe é que esse projeto até hoje não saiu do papel.

Estrutura cascata

Para fazer uma investigação interna e apurar o ocorrido, a Copel contratou o escritório Tauil Chequer em fevereiro deste no por R$ 11,84 milhões, em regime de urgência. Além da Deloitte, atual auditora, foi envolvida a KPMG. responsável pelas demonstrações de 2015, e contratada ainda a EY para o serviço de auditoria forense.

O que se descobriu é que uma estrutura cascata reduziu a visibilidade do investimento que existia na ponta. O fundo multimercado, que tinha a BEM, do Bradesco, como administradora, comprou cotas de um fundo de investimento em participações, que por sua vez comprou ações de uma sociedade anônima fechada, chamada GBX Tietê II Empreendimentos e Participações, dona da SPE que conduz o projeto imobiliário. O plano dos empreendedores era construir no local uma torre comercial, um shopping e um hospital. Mas o projeto sofreu sucessivos adiamentos por causa da crise e foi remodelado para ser construído em fases. A nova promessa é de lançamento no fim deste ano.

A reportagem do Valor foi até o local e lá encontrou em um dos cantos obras do futuro Paço Municipal de Osasco, uma contrapartida negociada com a prefeitura, e o restante do terreno, de 71 mil metros quadrados, está vazio.

Baixa do valor

No balanço, a Copel informa que foi por causa do atraso no projeto que a baixa contábil acabou sendo feita. Isso porque a Copel teve de passar a tratar a GBX Tietê como coligada, devido à sua participação societária, e por isso o investimento deixou de ser avaliado pelo valor das cotas do fundo e passou a ser registrado como equivalência patrimonial, que, nesse caso, considerando os 19,3% de participação, caiu para R$ 7 milhões.

O fundo argumenta que o empreendimento é avaliado em R$ 643 milhões, contudo, ele ainda não saiu do papel.

O que diz Tomasi

Erlon Tomasi foi indicado para o cargo na Uega pelo então governador Beto Richa. Ele argumenta que a Copel exigia que a Uega distribuísse 100% do lucro disponível, o que deixava a empresa sem liquidez. Por isso, diz Tomasi, decidiu investir parte dos recursos do bom resultado de 2014, quando a térmica foi acionada, em uma aplicação de longo prazo. No fim de 2014 e julho de 2015 foram aportados R$ 100 milhões e os R$ 61 milhões restantes em meados de 2016 devido ao atraso no lançamento e a necessidade de mais dinheiro.

Ele acrescenta ainda que não havia, até 2017, regras que o impedissem de fazer o que fez.

As investigações revelaram ainda negociações particulares entre Erlon Tomasi e Marcos Navajas, principal sócio e administrador da GBX, gestora que estruturou o empreendimento. Tomasi transferiu US$ 100 mil em junho de 2017, resgatou em agosto e não repassou os US$ 80 mil restantes negociados. Para tornar o caso mais complicado, a transferência foi feita por uma offshore sediada no Panamá (paraíso fiscal), a qual havia sido de Navajas.

O que diz a Copel

Segundo a reportagem do Valor Econômico, a Copel não respondeu aos questionamentos, atendo-se apenas a divulgar a nota que repetia o que dizia no balanço. As auditoras Tauil Chequer, EY, Deloitte, KPMG e BDO não comentaram.

Marcos Navajas disse que não foi procurado pelas empresas auditoras.

A BEM, do Bradesco, disse que os investimentos realizados estavam “enquadrados na política descrita no regulamento do fundo, aprovado pelo cliente, não cabendo à administradora a verificação de conformidade com política DCE investimentos do investidor, exceto quando há contratação específica para esse fim”.