Cotidiano

Astrônomos encontram sinais de um tipo incomum de buraco negro

Astrônomos anunciaram esta semana terem encontrado sinais da existência de um tipo incomum de buraco negro, objetos tão maciços que nem a luz consegue escapar de sua poderosa gravidade. Teorizados há pouco mais de dez anos por Avi Loeb e Volker Bromm, então pesquisadores no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (CfA), nos EUA, estes chamados ?buracos negros de colapso direto? poderiam explicar a origem dos quasares, os objetos mais ?luminosos? conhecidos no Universo, buracos negros gigantes no núcleo de galáxias distantes que emitem enormes quantidades de radiação ao consumir o material no seu entorno.

– É um milagre cósmico ? considera Bromm, numa referência às condições específicas existentes apenas 500 milhões de anos depois do Big Bang, a grande ?explosão? que se acredita ter dado origem ao nosso Universo, que permitiriam o surgimento deste tipo de buraco negro. – Foi o único momento na História do Universo que essas condições estavam certas.

Segundo os astrônomos, os buracos negros de colapso direto solucionariam um antigo quebra-cabeças cosmológico. Atualmente, sabe-se que a grande maioria das galáxias do Universo abriga buracos negros supermaciços em seus núcleos, com massas que variam entre algumas milhões de vezes a do Sol, como na nossa Via Láctea, a bilhões de massas solares. Esse buracos negros cresceriam a partir de um ?buraco negro semente? que, com o tempo, foi absorvendo o material a sua volta, num processo conhecido como acreção.

O problema é que os poderosos quasares estão localizados a mais de 10 bilhões de anos-luz da Terra, ou seja, a mais de 10 bilhões de anos no passado. Assim, por esta hipótese de crescimento por acreção, os buracos negros gigantes que compõem os quasares não teriam tipo tempo suficiente para ficarem tão grandes. Além disso, estas galáxias primordiais também seriam o lar da primeira geração de estrelas do Universo. E embora elas possam ter entrado em colapso para formar buracos negros, elas não poderiam ser a ?sementes? dos quasares, já que a radiação destas estrelas recém-formadas dispersaria o material que deveria alimentar o crescimento dos gigantes.

– A formação estelar é a inimiga da formação de buracos negros supermaciços nestas galáxias primordiais, pois as estrelas produzem um feedback que sopra para longe as nuvens de gás circundantes ? resume Bromm.

Assim, em 2003, Bromm e Loeb imaginaram que para que uma galáxia primordial acabasse com um buraco negro supermaciço no seu centro, era preciso se livrar da energia emitida pela formação estelar. No cenário desenhado por eles, as nuvens de hidrogênio e hélio nestas galáxias estariam banhadas em um mar de radiação ultravioleta. Com o tempo, assim como acontece nas galáxias ?atuais?, estas nuvens seriam comprimidas pelo campo gravitacional do halo de matéria escura onde a galáxia se formou, esfriando e se fragmentando para originar estrelas. Nas galáxias primordiais, no entanto, os energéticos fótons ultravioletas manteriam o gás quente, impedindo a formação estelar.

– E estas são as condições quase miraculosas necessárias: colapso sem fragmentação. A medida que as nuvens de gás ficam mais e mais compactas, eventualmente teremos as condições para o surgimento de um buraco negro ? diz Bromm.

Estas condições especiais, porém, seriam altamente dependentes deste período inicial específico da História do Universo, tanto que este processo não acontece nas galáxias atuais.

– Os quasares observados no Universo primordial são como bebês gigantes em uma maternidade cheia de crianças normais ? compara Loeb. – Isso nos faz perguntar: o que era tão especial no seu ambiente que alimentou estes bebês gigantes? Normalmente, os reservatórios de gás frio em galáxias como a Via Láctea são consumidos em grande parte pela formação estelar. Mas a teoria proposta quando Bromm era meu estudante de pós-doutorado sugeria que as condições enfrentadas pela primeira geração de galáxias eram diferentes. No lugar de fabricar um monte de estrelas normais, estas galáxias formaram uma única estrela supermaciça nos seus centros que acabou entrando em colapso para servir como o buraco negro semente. Assim, o gás neste ambiente foi usado para alimentar o buraco negro e não para formar muitas estrelas normais.

Bromm e Loeb publicaram sua teoria ainda em 2003, mas até agora este cenário permanecia apenas como uma hipótese. Passados mais de dez anos, Bromm se tornou professor na Universidade do Texas em Austin, EUA, com seus próprios estudantes de pós-doutorado, entre eles Aaron Smith. Junto com Bromm e Loeb, Smith ficou interessado em uma galáxia batizada CR7, identificada em um levantamento feito pelo telescópio espacial Hubble, que a viu como era apenas 1 bilhão de anos depois do Big Bang.

David Sobral, da Universidade de Lisboa, Portugal, havia feito observações posteriores do CR7 com alguns dos maiores telescópios do mundo, incluindo o Keck e o VLT, que revelaram traços incomuns na sua chamada ?assinatura luminosa?. Em especial, uma determinada linha característica do hidrogênio em seu espectro, chamada ?Lyman-alpha?, estava muitas vezes mais brilhante do que seria esperado, assim como outra linha do espectro ligada ao hélio.

– O que quer que estivesse provocando isso teria que ser muito quente, quente o suficiente para ionizar o hélio ? lembra Smith.

Segundo Bromm, para isso acontecer, são necessárias temperaturas da ordem de 100 mil graus Celsius, ?uma fonte quente e poderosa de ultravioleta?. Isso e outros traços incomuns do espectro da galáxia, como a ausência de elementos mais pesados que o hélio (que só podem ser formados no interior de estrelas), junto com sua distância cósmica ? e, portanto, sua época na História do Universo -, indicavam que eles só poderiam estar observando ou um aglomerado de estrelas primordiais ou um buraco negro de colapso direto.

Para esclarecer a questão, Smith rodou simulações dos dois cenários no supercomputador Stampede, da própria Universidade do Texas. Segundo ele, a possibilidade de as observações serem um aglomerado de estrelas ?fracassou espetacularmente?, enquanto o cenário de um buraco negro de colapso direto teve um bom desempenho.

– Com a CR7, temos uma observação intrigante que estamos tentando explicar e prever o que futuras observações poderão achar ? conta Smith. – Queremos com isso fornecer uma estrutura teórica completa (para explicar os buracos negros supermaciços dos quasares distantes).

E os pesquisadores realmente parecem estar no caminho certo. Em um anúncio também recente, a Nasa informou que seu observatório espacial de raios-X Chandra detectou ao dois outros objetos candidatos a serem buracos negros de colapso direto.