Opinião

A start-up também desafia o advogado

Opinião de Roberto Braga

Não basta aos advogados possuírem especializações pontuais em determinados assuntos jurídicos, mas é necessário também que alcancem boa compreensão da realidade negocial inovadora inerente à “start-up”.

Em sua origem, “start-up” é palavra da língua inglesa que designa o “Ato ou processo de iniciar uma operação ou movimento” (American Heritage Dictionary of the English Language, 2011) e, segundo Markos Wonder (2015), remontar-se-ia ao ano de 1550.

Todavia, no contexto empresarial, com o sentido de empresa iniciante, parece que o vocábulo “start-up” foi utilizado pela primeira vez em um artigo publicado pela revista Forbes em agosto de 1976 e, no ano seguinte, outro famoso periódico americano, a revista Business Week, registrou que “An incubator for startup companies, especially in the fast-growth, high-technology fields” (Lebret, 2012).

Mas foi somente após a criação da Internet em meados da década de 90, e a vertiginosa expansão da tecnologia da informação que se verificou desde então, que o termo “start-up” começou a ser amplamente utilizado, sempre se referindo a negócios recém-constituídos, geralmente utilizando-se da Internet e da tecnologia da informação, com baixo custo de implantação e manutenção, elevado grau de incerteza de sucesso, mas com alto potencial de escalabilidade, capazes de atingirem um rápido crescimento com base na oferta de produtos ou serviços inovadores aos olhos do mercado (Reis, 2018).

Com efeito, segundo a definição tão célebre quanto concisa de Eric Ries, “Uma ‘start-up’ é uma organização humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza” (2019). Portanto, as características essenciais da “start-up” são a “Inovação disruptiva” – na expressiva locução cunhada por Clayton Christensen e Joseph Bower (1995) – e a extrema incerteza. A “start-up” trabalha num campo de altíssimo risco mercadológico. É o que a diferencia, fundamentalmente, das empresas tradicionais, pequenas ou grandes. E isso decorre de seu caráter inovador: o empreendedor de uma “start-up” muitas vezes introduz no mercado algo radicalmente novo, mas sem qualquer garantia prévia ou probabilidade de que a novidade será assimilada (Feigelson et. al., 2019).

E o troféu perseguido pelo fundador da “start-up” ao decidir dar forma empresarial a uma inovação disruptiva em ambiente de extrema incerteza é a escalabilidade. Geralmente, o produto concebido e comercializado por uma “start-up” é replicável e escalável graças ao emprego intensivo de tecnologia, eis que passível de ser reproduzido e comercializado em larga escala, sem custos adicionais significativos, em perfeita economia de escala, podendo render à “start-up” um salto de faturamento gigantesco. Pense-se, por exemplo, em um software.

São emblemáticos, nesse aspecto, os cases do Google e da Amazon, dentre outros, cujos respectivos valores de mercado, há pouco mais de dois anos de terem nascido como “start-ups”, quadruplicaram quando abriram o capital por meio da primeira oferta ao público de ações de sua emissão.

“Start-ups” como essas vieram a receber posteriormente a sugestiva alcunha de Unicórnios, lançada por Aileen Lee, célebre investidora em “Venture Capital”, do não menos icônico ecossistema do Vale do Silício, na Califórnia, em artigo intitulado “Bem-vindo ao clube dos unicórnios: Aprendendo com ‘start-ups’ de um bilhão de dólares”, em alusão às empresas que alcançaram, em menos de dois anos de sua criação, um valor de mercado superior a um bilhão de dólares – algo raro como a figura mitológica do unicórnio.

A compreensão da idiossincrasia ínsita à “start-up” deveria levar os advogados e os consultores dos valentes empreendedores a se conscientizarem de que os arranjos tradicionais do Direito Societário nem sempre se prestam a conferir a devida segurança jurídica a seus negócios diferenciados. Um empreendimento portador de inovação disruptiva induz riscos bem maiores que os habitualmente aceitos pelas empresas tradicionais, dada a incerteza mercadológica do produto. Daí a importância de se adequar às soluções contratuais tradicionais às peculiaridades do modelo de negócio característico da “start-up”, de modo a torná-las aptas a contemplar os interesses tanto do empreendedor quanto dos investidores que nele acreditam (Feigelson et. al., 2019).

Nesse sentido, Alison Weinberg e Jamie Heine sustentam que, para serem valorizados no ecossistema altamente tecnológico das “start-ups”, os advogados deveriam ser mais do que meros consultores jurídicos: têm que aprender a identificar as características essenciais e necessidades dos negócios de seus clientes, para em seguida incluí-las nas soluções jurídicas que lhes apresentam. Os advogados não deveriam pensar apenas em termos legais, mas também e sobretudo, sob a ótica negocial. É dizer que têm de compreender a fundo o negócio objetivado pela “start-up”, até para melhor discernir, num segundo momento, as suas dimensões jurídicas.

Jack Wrolsden, por sua vez, afirma que o papel dos consultores jurídicos é bem maior que a mera atuação em questões pontuais. Advogados especializados em negócios disruptivos – os “disruptive framers” (balizadores da disrupção) – são responsáveis por contornar problemas e desenvolver estratégias jurídicas para os empreendedores no contexto da “Destruição criadora” há muito identificada e propugnada por Joseph Alois Schumpeter (1939). Não basta aos advogados possuírem especializações pontuais em determinados assuntos jurídicos, mas é necessário também que alcancem a perfeita compreensão da realidade negocial inovadora inerente à “start-up” (Wrolsden, 2016).

 

Roberto Braga é advogado e sócio da Braga de Andrade Advogados e professor do curso de especialização no Insper sobre a LGPD