Os braços cruzados acima da cabeça, ao completar a maratona no domingo, nos Jogos do Rio, foram apenas o início do que pode se tornar uma saga para o etíope Feyisa Lilesa, de 26 anos. Medalha de prata na prova, o maratonista protestou contra o governo de seu país, que vem, segundo ele, dizimando a etnia oromo, da qual faz parte.
Embora Getachew Reda, porta-voz do governo etíope, tenha dito a agências locais que Lilesa não só será bem recebido como se tornou um herói nacional, ele parece não ter acreditado muito. No domingo, logo após a cerimônia de encerramento, no Maracanã, o maratonista não voltou à Vila dos Atletas. Ele seguiu para um hotel, pago por amigos americanos, com o objetivo de não deixar rastros para o governo de seu país. Ele só deve deixar o Rio quando garantir visto de entrada nos Estados Unidos.
? Meus amigos que moram nos Estados Unidos reservaram esse hotel. E me derem o endereço. Eu mostrei ao taxista (após a cerimônia de encerramento), e ele me trouxe aqui ? contou Lilesa, que deixou a mulher e os dois filhos no país, ao Sportv.
A delegação etíope volta hoje para casa. Até o início da noite de ontem, o Ministério da Justiça não havia recebido pedido de asilo do maratonista ? o órgão informou que foi contactado por outros atletas, mas que ?não poderia divulgar nada a respeito por questões internas e também porque ainda não foi tomada decisão sobre eles?.
? Eles estão matando o meu povo. A Etiópia tem muitas etnias, e apenas uma tem o poder. Essa etnia está matando muitos integrantes das outras ? relatou Lilesa. ? A situação dos oromo é muito complicada. Em nove meses, mataram mais de mil pessoas em manifestações ? informou.
Segundo o jornal ?The New York Times?, o etíope terá que conseguir asilo no Brasil antes de buscar ajuda nos Estados Unidos. Só depois poderá ser autorizado a viajar ao país, onde receberia um visto temporário. Uma vez em solo americano, poderá pedir asilo político. Por causa da autorização obtida para disputar os Jogos, o atleta ainda tem mais 70 dias para permanecer no Brasil.
Compatriota de Lilesa, Aguegnehu Aberra, de 68 anos, intérprete do COI (Comitê Olímpico Internacional) e radicado em Los Angeles, conhece muito bem o drama que o medalhista vive:
? O governo atual é pior do que quando deixei o país, há 40 anos. Em termos de corrupção, é terrível. A tribo de Feyisa está lutando contra o governo e tem mais de 27 milhões de representantes.
Em 2008, ano da projeção mais recente, a Etiópia tinha 80 milhões de habitantes. Desde 1995, o país, o sétimo maior do continente africano, adotou o regime parlamentarista. Daquele ano até agosto de 2012, a nação foi comandada pelo primeiro-ministro e ex-líder guerrilheiro Meles Zenawi, que faleceu aos 57 anos, vítima de uma infecção. Seu sucessor, no cargo até hoje, atende pelo nome de Hailemariam Desalegn.