BUENOS AIRES. O futebol argentino está em estado de alerta. A crise financeira em que está mergulhada a Associação de Futebol da Argentina (AFA) e a maioria dos clubes locais ameaça o começo do campeonato nacional, que, de acordo com o calendário oficial, deveria ter seus primeiros jogos nesta sexta-feira, entre eles a partida entre San Lorenzo (que enfrentará o Flamengo semana que vem, no Rio, pela Libertadores) e Belgrano. O governo do presidente Mauricio Macri confirmou sua decisão de terminar com o programa Futebol para Todos, iniciado em 2009 pelo governo de Cristina Kirchner (2007-2015), que deixou a transmissão de TV dos jogos em mãos do Estado e representou durante os últimos anos a principal fonte de financiamento dos clubes argentinos. Um novo contrato está sendo negociado, com interessados como a Fox Turner e ESPN, mas nada foi fechado ainda.
Em sua primeira coletiva de 2017, em meados de janeiro passado, Macri, que iniciou sua carreira política, na década de 90 no comando do popular Boca Juniors, deu um dramático diagnóstico do futebol local: “ele está numa crise terminal, pior da que estava o país quando o recebemos (em dezembro de 2015)”. Desde então, a situação só piorou e hoje os argentinos não sabem quando voltará o futebol.
– O Estado não vai mais participar do Futebol para Todos. Isso está claro há seis meses e espero que tenham (os clubes) previsto como vão fazer a partir de fevereiro – declarara o presidente.
Com uma dívida tributária que, no ano passado, chegou a cerca de US$ 85 milhões, segundo confirmou o diretor da AFIP (a Receita Federal local), Alberto Abad, e sem os recursos do FPT, os clubes argentinos estão mergulhados numa crise profunda e inédita. Paralelamente, a Associação de Futebol da Argentina (AFA) continua sem eleger um presidente e sendo controlada por uma comissão normalizadora, designada pela FIFA.
– Em vez de resolver o problema, os dirigentes continuam optando por atalhos e não enfrentam a questão com seriedade – questionou o presidente.
Durante a campanha presidencial de 2015, Macri prometeu cancelar o FTP, mas quando desembarcou na Casa Rosada acabou mantendo o programa implementado por sua antecessora, Cristina Kirchner (2007-2015). Com dramas mais urgentes para encarar, como o calote da dívida pública e o caos no mercado cambial, o chefe de Estado optou por adiar uma medida que representa um duro golpe para todos os clubes de futebol do país. Estima-se que 70% do futebol argentino é financiado com recursos do FPT.
– O governo quer que os clubes sejam sociedades anônimas, mas essa ideia enfrenta muita resistência, até mesmo por parte dos grandes, como River e San Lorenzo. Os clubes argentinos têm uma função social, não são como os europeus, não têm, essencialmente, um interesse econômico _ explicou Mariano Bergés, presidente da ONG Salvemos o Futebol.
Segundo ele, “a crise atual é muito complicada, mas pode terminar sendo positiva, se ajudar a dar transparência ao futebol argentino”.
– O governo Macri não quer dar mais dinheiro aos clubes porque diz que seus dirigentes são ladrões e é verdade que a corrupção existe. Mas é preciso, então, que o Estado saia de vez da jogada e deixe que os clubes encontrem uma solução com a AFA. O problema é que o Estado não sai porque também tem interesses _ comentou Bergés.
O inferno astral do futebol local, disse ele, começou com a morte de Julio Grondona, o homem que presidiu a AFA com mão de ferro durante mais de 35 anos. O falecimento de Grondona, em julho de 2014, desencadeou uma crise que o futebol argentino ainda não conseguiu superar.
– Com Grondona havia mafia, corrupção, mas também futebol. Ele fazia e desfazia de forma autoritária, mas o futebol nunca esteve em risco. Sem Grondona, restou um pouco de mafia, surgiram as dívidas impagáveis e o futebol passou a correr perigo. Mas era uma transição necessária – enfatizou o presidente da ONG.
O sindicato dos jogadores argentinos afirmou, recentemente, que o começo do campeonato nacional “é inviável e impossível” dadas às dívidas da maioria dos clubes com seus jogadores. A Casa Rosada não quer dar mais dinheiro à AFA e, assim, a AFA não repassa recursos aos times que, por sua vez, não pagam seus jogadores e técnicos.
_ Se não houver um acordo, se continuarem os calotes, a situação será inviável. De agosto passado pra cá, o futebol argentino gerou uma dívida enorme – apontou o presidente do sindicato dos jogadores, Sergio Marchi.
Segundo ele, ?se não houver transmissão de TV somos inviáveis.
– Não existe futebol sem TV, porque ela representa 70% de nossa economia – admitiu o vice-presidente do time Sarmiento, Horacio Martignoni.
Na cidade de Rosario, província de Santa Fe, o Newell´s Old Boys, entrou com pedido de falência e esta sob intervenção judicial. A situação dos clubes menores, disse Bergés, é mais crítica. Grandes times como River Plate e Boca Juniors lotam estádios duas vezes por mês e com isso conseguem financiamento próprio. Mas sem campeonato, nem isso eles terão.