Cotidiano

Violência na saúde: Precarização eleva agressões a profissionais

Quem muitas vezes tenta diminuir a angústia familiar é o enfermeiro. Por conta de um contato mais próximo, é o profissional mais agredido

Um sistema de saúde precário, sem as mínimas condições de trabalho aos profissionais, escasso quanto à estrutura, equipamentos e materiais básicos para atendimento a pacientes levam a saúde a um abismo. As consequências desse retrato esbarram há muito em quem está na linha de frente: médicos, enfermeiros, recepcionistas. Conforme a conselheira do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), Dorisdaia Humerez, o sistema, considerado deficiente e incapaz de atender a demanda, tem contribuído para o aumento no número de agressões físicas dos profissionais.

“O cenário é o mesmo em todo o País. Familiares ou os próprios pacientes, ansiosos para ser atendidos ou sofrendo por conta do quadro clínico de um familiar, se tornam incapazes de compreender o contexto, todas as deficiências que a saúde pública possui, e em muitos casos o sofrimento acaba em agressão”, relata Dorisdaia.

Quem muitas vezes tenta diminuir a angústia familiar é o enfermeiro. Por conta de um contato mais próximo, é o profissional mais agredido. “Ele está nessa ‘linha de frente’, e há casos em que tem que barrar algumas situações e explicar outras que não são bem interpretadas pelos usuários do SUS”, explica. Um dos problemas mais recorrentes e que tem enfurecido os pacientes é a falta ou demora no atendimento. “É totalmente compreensível o sofrimento da família, a revolta, pois também são lesados pela precariedade do sistema. Mas é preciso mudar, entender que o profissional também está sobrecarregado, a demanda é altíssima, e os investimentos cada vez menores”, diz.

  

ANGÚSTIA SOCIAL

Pesquisa do Cofen, divulgada em 2015, traçou o Perfil da Enfermagem no Brasil. Os resultados apontaram que somente 33% dos enfermeiros que atuam no Paraná se sentem protegidos no ambiente de trabalho. Outros 67% já sofreram violência psicológica; 19,6% revelaram que já foram vítimas de violência institucional e 13% de agressões físicas. O Conselho ouviu 8.345 profissionais.

Um dos casos mais recentes de agressão entre um profissional de saúde e paciente na região ocorreu em uma Unidade de Pronto-Atendimento de Cascavel. A briga envolveu um médico do local, que tentou conter um paciente com sinais de embriaguez que estava alterado por conta da demora no atendimento. A agressão física resultou na abertura de sindicância, feita pela Secretaria de Saúde.

“A violência aos profissionais do setor é o reflexo do que ocorre em praticamente todas as categorias. A sociedade cada vez mais empobrecida, com um número elevado de desemprego, e consequentemente mais doente, gera uma angústia social muito grande. Dessa forma, os pacientes transferem parte de suas angústias a quem está ali para atendê-los”, afirma o corregedor-geral do CRM (Conselho Regional de Medicina) do Paraná, Maurício Marcondes Ribas.

Do convênio para o SUS

Mais de 150 milhões de brasileiros usam hoje o SUS, conforme Marcondes Ribas. A crise econômica, que enxugou as vagas de emprego, obrigou muitas pessoas a se adequarem a uma nova realidade. “Os convênios perderam muito, pois houve uma migração desses usuários à saúde pública, que encontraram aí uma forma de economizar”, afirma o corregedor-geral.

O inchaço do sistema também é responsável pelo aumento das agressões, que segundo os especialistas, estão longe de acabar. “Vejo que não temos tantas expectativas quanto a isso. A população não tem o atendimento que deveria, os locais não estão preparados para suprir a demanda, e a agressão vem em função de todo esse sofrimento. Os profissionais ficam impotentes diante disso”, lamenta Dorisdaia. “Não acredito que com o SUS da forma que está funcionando e com o direcionamento e políticas existentes, isso reduza rapidamente. A proposta é, por meio de campanhas e ações, conscientizar e orientar a população sobre o tema”.

Depois da agressão

O que fazer quando a agressão acontece? O Cofen orienta que caso a agressão tenha sido dentro do local de trabalho, um Boletim de Ocorrência precisa ser feito. Após isso, o profissional passa por um exame de corpo de delito e, em seguida, aciona o conselho regional de sua categoria, que vai assessorá-lo.