Cotidiano

Uma questão de autonomia

No momento em que o novo governo assume a responsabilidade de dirigir o país, com propostas de mudanças estruturais que levem a avanços em defesa dos interesses sociais e econômicos, já tinham causado surpresa as declarações do novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista à ?Folha de S.Paulo?, no sentido de que nenhum direito é absoluto e que poderiam ser revistos os critérios utilizados para a escolha do procurador-geral da República. Esclareceu o ministro que a escolha poderia recair sobre um integrante do Ministério Público Federal que não tivesse se submetido a um pleito eleitoral ou que não fosse o mais votado pela classe ? declaração, desde logo, desautorizada pelo presidente da República interino.

A declaração ganhou maior relevo na medida em que se atestam as firmes atuações do ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel no denominado processo do mensalão e, agora, de Rodrigo Janot, responsável por parte das investigações e pela persecução penal de algumas autoridades que gozam de foro especial pela prerrogativa da função na Operação Lava-Jato. Gurgel e Janot foram eleitos por seus pares e escolhidos por integrar listas tríplices como os mais votados pela classe dos procuradores da República. Agora, vem à tona a divulgação de conversas reveladas em delações premiadas, em que políticos investigados pela Lava-Jato se revelam ?decepcionados? com a atuação do procurador-geral, além de ?arrependidos pela escolha?, taxando-o, alguns, de ingrato, por ter sido escolhido.

É bem verdade que a Constituição Federal não prevê a eleição e escolha do procurador-geral da República através de lista tríplice como ocorre nos estados, podendo a indicação do presidente da República recair sobre qualquer de seus membros.

Mas a luta do Ministério Público brasileiro é avançar no sentido de que a escolha do chefe institucional, nacionalmente, se dê por eleição direta de seus membros, sem qualquer ingerência do chefe do Executivo, o que pode garantir maior independência e autonomia, em especial, perante a classe política. Como esclareceu certa vez o atual procurador-geral da República, em entrevista, ?sou membro do MP concursado, não devo favor a ninguém.? Portanto, o que se espera de qualquer governo que pretenda lutar contra o crime organizado, a corrupção e a impunidade, dando maior transparência a seus atos, é interferir o menos possível no processo de escolha do chefe do MP, prestigiando, enquanto não houver previsão de eleição direta pela classe dos procuradores e promotores de Justiça, o resultado das urnas, ao escolher o mais votado da lista tríplice encaminhada ao chefe do Executivo. Evita-se, assim, um enorme retrocesso institucional, em detrimento dos interesses da sociedade.

Cláudio Soares Lopes é integrante do Ministério Público Estado do Rio de Janeiro e foi procurador-geral de Justiça do estado