LISBOA ? Principal evento literário da capital portuguesa, a Feira do Livro de Lisboa tem números tão grandes quanto o Parque Eduardo VII, o imenso jardim incrustado na região central da cidade, onde acontece todo ano: nesta 86ª edição, que começou na quinta-feira e vai até o dia 13 de junho, além de abrigar quase 300 pavilhões de 123 editoras, a previsão é receber cerca de 500 mil pessoas e movimentar até ? 4 milhões.
É também um belo programa no outono português. Com as temperaturas na casa dos 20 graus, vão-se famílias inteiras a comprar livros e assistir a debates ao ar livre, com entrada gratuita até a meia-noite.
Entre as novidades deste ano está a volta do Brasil ao evento, de que não participava havia seis anos. Uma volta tímida, é preciso que se diga: há apenas um minúsculo estande representando o Ministério das Relações Exteriores, com os livros da Editora do Senado Federal, braço editorial do Legislativo que há 18 anos publica especialmente títulos raros de História do Brasil.
A competição pela atenção do público é desleal: enquanto as editoras portuguesas mantêm estandes amplos, o Pavilhão do Brasil se espreme em dois metros quadrados, onde mal cabem duas estantes e duas cadeiras, em que os três representantes da editora se revezam. É tão apertado que o espaço é chamado de ?curralzinho?. Mas como fica exatamente na entrada da feira, próximo a uma barraca de ?porras? (churros), o espaço está sempre apinhado de curiosos.
E é aí que o vice-presidente do conselho editorial e responsável pelo catálogo, Joaquim Campelo Marques, atrai os passantes com perguntas bem-humoradas sobre a História do Brasil.
Ao indagar a uma visitante se ela conhecia os primeiros super-heróis brasileiros, diante da negativa, foi rápido ao apresentar o livro ?As aventuras de Nhô Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros (1869-1883)?, do pesquisador Athos Eichler Cardoso, editado a partir do acervo do caricaturista Angelo Agostini (1843-1910). Considerados os primeiros ?super-heróis? brasileiros, amadurecidos em tramas de aventura, Nhô Quim e Zé Caipora eram personagens de revistas semanais no século XIX, criados por Agostini, e hoje esquecidos do grande público.
? Ninguém conhece, por isso precisamos vir a eventos deste tipo divulgar. Só publicamos títulos esquecidos, sem apelo mercadológico, documentos históricos que se perderiam no tempo, e que muitas vezes interessam a pesquisadores, mas que são de preservação fundamental. É uma verdadeira brasiliana que temos aqui ? gaba-se Campelo Marques, informando que, ao fim da feira, os volumes serão doados a bibliotecas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pois a editora não pode comercializá-los no evento, por seu caráter institucional. ? Quem quiser tem que entrar no site para comprar.
Entre os livros raros da editora, há os de viajantes estrangeiros de passagem pelo país (como ?Dois anos no Brasil?, do pintor francês Auguste-François Biard); obras de ilustres como Visconde de Taunay (?Recordações de guerra e de viagem?, suas impressões sobre a Guerra do Paraguai) ou de Joaquim Nabuco (?Campanha abolicionista no Recife?, uma coletânea de pronunciamentos do abolicionista).
E há títulos curiosos, como ?Dom Pedro e Dom Miguel, a querela da sucessão?:
? Não sei como essa história aqui ainda não virou uma novela, um filme. É a história da briga pela sucessão ao trono depois da morte de Dom João VI, entre os irmãos Dom Pedro e Dom Miguel ? anima-se Campelo Marques. ? É repleta de reviravoltas, um bom escritor faria miséria com este relato, mas também é um documento pouquíssimo lido.
A outra visitante, ele faz nova incursão ao acervo, desta vez apresentando ?Legba: a guerra contra Xangô em 1912?, um inventário fotográfico dos artefatos religiosos apreendidos pela polícia de Alagoas em 1912.
? Naquele ano, travou-se uma intensa batalha contra os adeptos do candomblé, e a polícia, achando que estava destruindo a religião prendendo seus praticantes, acabou conservando sua história. Este livro é um museu impresso ? defende Joaquim.
Questionado se a crise política por que passa o Brasil pode afetar os trabalhos da Editora do Senado, Campelo Marques limita-se a responder:
? Fazemos este trabalho de garimpo de títulos desde 1998, livros que certamente não interessariam a ninguém publicar. Só espero que com essa confusão toda não decidam acabar com a editora com apenas uma canetada.
*Mariana Filgueiras viajou a convite da TAP