Cotidiano

Questões de raça e de identidade guiam a 4ª MITsp

so_little_time_3.jpgSÃO PAULO ? Após contornar uma queda orçamentária de meio milhão de reais, a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) superou o susto e coloca de pé a sua 4ª edição a partir de hoje. A abertura será em grande estilo, com obras criadas por dois grandes expoentes das artes cênicas contemporâneas, o diretor e coreógrafo belga Alan Platel e o diretor e dramaturgo libanês Rabih Mroué. Caberá ao primeiro a abertura oficial da Mostra, no Municipal de São Paulo, que receberá a peça-concerto “Avante, marche!” numa sessão para convidados ? a montagem fará mais duas récitas na quarta e na quinta-feira. Já Mroué apresentará no Sesc Vila Mariana, em sessão aberta ao público, a peça “Tão pouco tempo”, a primeira das três obras que ele encena na cidade até sábado ? além de “Tão pouco tempo”, Mroué dirige “Revolução em pixels” (dias 15 e 16/3) e “Cavalgando nuvens” (dias 17, 18 e 19/3).

? Estamos tentando trazer o Rabih desde a primeira edição, e agora decidimos criar uma mostra especial dedicada ao seu repertório ? diz o diretor artístico da Mostra, Antônio Araújo. ? Em “Tão pouco tempo” ele reflete sobre o que é ser um mártir, sobre parte da cultura muçulmana. Já em “Revolução…” o que se vê é uma palestra-performance que aborda o conflito na Síria, e em “Cavalgando nuvens” temos a história do irmão do Rabih, que está em cena e revela a sua história, as sequelas das guerras do Líbano. Então são peças que conectam histórias pessoais com a história desses países, o macro e o micro, a relação entre a vida das pessoas e as situações políticas de países como a Síria e o Líbano.

No Brasil desde a semana passada, para a realização de um workshop, o encenador libanês diz que as três obras selecionadas para a Mostra refletem sobre “questões ligadas à representação”, diz.

? Falo de representação em diferentes níveis, seja a representação teatral propriamente dita, ou também a representação de um cidadão, de didadania, de um país diz. ? Em “Tão pouco tempo” crio uma história ficcional, que investiga um mártir fictício. É uma peça que investiga a noção de mártir, o significado dessa palavra, assim como os reflexos dos discuros comunitários, patrióticos, tentando compreender seus efeitos em uma comunidade e em seus habitantes, em suas singularidades, em como estes discursos comunitários podem aniquilar as identidades pessoais, individuais.

Diretor artístico da Mostra, Antônio Araújo considera realização da MITsp em 2017 um “ato de resistência” diante do recuo de investidores ? alguns deixaram de patrocinar o evento, enquanto outros mantiveram seus apoios, embora com verbas mais enxutas. Com orçamento final de R$ 2,9 milhões ? em 2016 a Mostra contou com R$ 3,4 milhões ?, a MITsp apresentará até o próximo dia 21 um programa com a mesma estrutura dos anos anteriores, ou seja: além da mostra de espetáculos, com dez criações ? em 2016 foram 11 ?, haverá um substancial programa de atividades pedagógicas, com seminários, ciclos de debates, workshops e residências artísticas. Para 2017, a MITsp estabeleceu três eixos curatorias: linguagens híbridas, teatro documentário e o protagonismo negro ? para cada um desses recortes, o festival trará obras e artistas vindos de países como Alemanha, Chile, Líbano, Bélgica, África do Sul e também do Brasil.

? As questões que envolvem o racismo, o preconceito e a exclusão estão no centro de algumas peças nacionais que farão a sua estreia no festival, assim como serão temas debatidos nas atividades pedagógicas da MIT ? diz Araújo. ? Nesse sentido, estamos dando sequência a uma investigação iniciada no ano passado, quando abrimos espaço para ações e palestras que refletiam sobre o lugar do negro na cena contemporânea. Naquele ano o ápice desse processo foi a realização da performance “Em legítima defesa”, com um grupo de jovens atores e atrizes negras que tomaram a plateia do Municipal. Depois disso, esses artistas acabaram consolidando um grupo, o Legítima Defesa, e agora eles retornam para apresentar um trabalho inédito, que é a primeira criação desse coletivo.

O Legítima Defesa apresentará ?A missão em fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa? (dias 17, 18 e 19/3, no Auditório Ibirapuera), uma criação dirigida por Eugênio Lima e inspirada no texto “A missão ? Lembranças de uma revolução”, de Heiner Müller. Além dessa obra, a MITsp apresenta ?Black Off?(Black Off), da performer sul-africana Ntando Cele (dias 18, 19, 20 e 21/3, no Itaú Cultural), a peça ?Branco ? O cheiro do lírio e do formol? (dias 17, 18 e 19/3, no CCSP), com dramaturgia de Alexandre Dal Farra, além do seminário ?Discursos sobre o não dito: racismo e a descolonização do pensamento”, com curadoria de Eugênio Lima e Majoí Gongora, que será dividido em duas mesas: “Negritude e Branquitude: complexificando as discussões sobre raça e as estruturas de privilégio” (dia 20), e “Feminismo Negro: conhecimento e autodeterminação” (dia 21), no Itaú Cultural.