Cotidiano

Pesquisa mapeia hábitos culturais do carioca em 2015

RIO ? No Rio, idosos vão menos a cinema, teatro, shows e museus do que os jovens.
As mulheres têm um maior interesse nas atividades culturais, mas no final das
contas são os homens que veem mais filmes, peças e exposições. Considerando toda
a população da cidade, mais de 30% passaram um ano sem ir ao cinema, 50% sem
assistir a um show, 70% sem pisar em teatros ou museus e 90% sem chegar perto de
um concerto de música clássica. Mas, apesar de tudo, o carioca ainda frequenta
mais equipamentos culturais do que os moradores de São Paulo, Belo Horizonte e
Salvador.

Os hábitos de consumo no Rio foram mapeados pela pesquisa Perfil Cultural dos
Cariocas, realizada no ano passado e cujo resultado será apresentado hoje e
amanhã, num seminário no Memorial Municipal Getúlio Vargas, na Glória. A partir
de entrevistas com 1.537 moradores num período de 15 dias, o levantamento buscou
respostas sobre a frequência a equipamentos culturais e também sobre os motivos
que afastam o carioca das artes. Os dados serão apresentados em recortes como
idade, gênero, região de moradia e escolaridade. O trabalho foi realizado pela
consultoria JLeiva em parceria com a empresa de gestão O Baile, com execução do
Instituto Datafolha e patrocínio da prefeitura do Rio.

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A pesquisa mostra, por exemplo, que 33% dos cariocas não foram ao cinema no
período de um ano, alegando sobretudo desinteresse (35%), pouco tempo disponível
(27%), preço do programa (21%) e falta de hábito (12%). A rejeição é maior entre
homens com mais de 60 anos, que estudaram apenas até o ensino fundamental e das
classes D e E. Entre os frequentadores, os cinemas de rua aparecem nos hábitos
de apenas 21% dos entrevistados, enquanto os de shopping, nos de 96%. O público
em geral prefere filmes dublados (70%) e em 2D (52%).

? As pessoas costumam ter a impressão de que os mais velhos consomem mais
cultura, mas esses são exatamente os mais excluídos. De 40 anos para cima, o
acesso à cultura cai muito ? afirma João Leiva, sócio-diretor da JLeiva. ? Uma
das razões é que o poder público atende menos a pessoas mais velhas. A maioria
dos programas são voltados para os jovens. Outro ponto é que um jovem encara
filas, enquanto o sujeito mais velho não tem como ficar uma hora e meia em pé
esperando.

Na faixa de idade entre 12 e 34 anos, mais de 82% declararam ter assistido a
um filme no período de um ano. Já entre 35 e 44 anos, foram 70%. Com mais de 60
anos, 38%. No teatro, a frequência entre os idosos foi de 22%, enquanto a do
carioca entre 16 a 34 anos, cerca de 40%.

? É mais fácil ir ao cinema, porque se compra o ingresso pela internet e tem
muito cinema perto de onde eu moro, em Ipanema. Mas de outras coisas a gente se
afasta porque não quer enfrentar fila, não quer pensar em estacionamento. Entre
ver os filmes do Oscar em casa e sair para um cinema lotado no sábado à noite, a
gente acaba se acomodando ? afirma o engenheiro químico Pedro Nelson Belmiro, de
65 anos. ? Eu me lembro de ter ido ao Vivo Rio no ano passado para ver um show,
acho que era da Bethânia. Mas eu cheguei lá e estava uma confusão tão grande,
lotado de gente, que eu desisti.

O resultado do cinema ainda é de longe o melhor entre as atividades culturais
no Rio. Na sequência dos 67% que declararam ter assistido a pelo menos um filme
fora de casa no período de um ano, aparecem shows (52%), festas populares (50%),
bibliotecas (35%), teatros (31%), museus (31%), espetáculos de dança ou balé
(21%), circo (15%), saraus literários (12%) e concertos de música clássica (9%).
Em 9 das 10 atividades pesquisadas, a maior frequência é entre os moradores da
Zona Sul ? apenas no circo o percentual é maior entre moradores da Zona Oeste.

A pesquisa Perfil Cultural dos Cariocas também perguntou a seus entrevistados
sobre o desejo de participar de mais atividades culturais. A surpresa foi a
inversão entre o consumo e a intenção entre os gêneros. As mulheres declararam
maior vontade do que os homens em todas as práticas investigadas. Mas elas
frequentaram menos cinemas (64% das mulheres viram um filme fora de casa, contra
72% dos homens), menos museus (29% x 33%), menos shows (50% x 55%) e menos
bibliotecas (34% x 35%). Das principais atividades, ganham apenas em balé ou
dança (23% x 18%) e teatro (32% x 31%).

FALTA DE TEMPO

Para João Leiva, as explicações passam pela dupla ou tripla jornada de
trabalho de muitas mulheres, pela renda geralmente inferior e também por uma
oferta menor de obras específicas para o universo feminino em comparação com
produções consideradas tipicamente para homens. Um exemplo são os tão populares
filmes de super-herói, com raríssimas personagens mulheres.

? Eu trabalho em três lugares. Quando chega o fim de semana, fico cansada
para enfrentar fila. É mais fácil ficar em casa vendo uma série ou um filme na
Netflix ? diz Vanessa Lima, professora de inglês de 36 anos. ? Além disso, os
ingressos estão caros. Eu queria ir ao show do Lulu Santos na Fundição Progresso
(no último sábado), mas deixei para comprar em cima da hora e o preço ficou alto
demais (as entradas iam de R$ 100 a R$ 200).

A JLeiva realizou a mesma pesquisa em São Paulo, Salvador e Belo Horizonte,
poucos meses antes, com um resultado que mostra maior frequência do carioca em
comparação às outras cidades em cinemas (67% Rio, 61% São Paulo, 59% Salvador e
54% Belo Horizonte), shows (52%, 45%, 51% e 43%), teatros (31%, 30%, 28% e 26%)
e museus (31%, 29%, 20% e 20%).

Um levantamento semelhante já havia sido feito no Rio em 2013, evidenciando
uma mudança de hábito esperada para um país cada vez mais digital. No ano
passado, 73% dos cariocas declararam ter TV por assinatura, contra 69% há três
anos. O acesso à internet subiu de 68% para 76%, assim como cresceu o uso de
tablets, de 19% para 31%. Já nos questionários sobre hábitos culturais, o que
chamou mais a atenção foi um dos motivos declarados para a rejeição. Em 2013,
pouco mais de 6% alegavam falta de tempo para não frequentar teatro, cinema e
museu, enquanto em 2015 esse número variou entre 26% e 29%. As taxas de
frequência em cada arte e o percentual de rejeição pelo preço do ingresso,
contudo, mantiveram-se dentro da margem de erro entre os anos.

? O grande fator escasso para todo mundo hoje é o tempo. Quando você quer que
um cara vá ao cinema, você precisa disputar o tempo dele com outras atividades
que ele precisa ou quer fazer. Na internet, por exemplo, há milhões de
atividades que ele não tinha antes ? afirma João Leiva. ? Já em relação à
diminuição do poder de consumo das pessoas frente à crise econômica, há duas
questões para se considerar. A primeira é que a pesquisa ainda reflete muito um
cenário de 2014, antes de a recessão se agravar. E, por outro lado, há quem
defenda que as atividades culturais saem favorecidas em momentos de crise. A
ideia é que, como a população não teria dinheiro para gastos maiores, como em
viagens, acaba indo mais ao cinema.