SÃO PAULO – Em uma reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura irregularidades nas concessões de benefícios fiscais por meio da Lei Rouanet, realizada nesta terça-feira, em Brasília, o artista Fabio Rabello e o empresário Fabio Salles disseram que não conheciam o esquema de fraudes operado pelo Grupo Bellini Cultural, com sede em São Paulo. Investigações realizadas pela Controladoria Geral da União (CGU) resultaram na Operação Boca Livre, da Polícia Federal, que avalia em até R$ 180 milhões o prejuízo aos cofres públicos. Shows particulares e até uma festa de casamento teriam sido financiados com parte desse dinheiro.
Quando a operação foi deflagrada pela PF, em junho do ano passado, Rabello e Salles foram presos, mas depois de alguns dias acabaram sendo liberados. Salles, cuja empresa Pacatu faria parte do esquema, obteve um habeas corpus, mas disse que estava disposto a ajudar e respondeu às perguntas dos deputados. Os deputados investigam a possibilidade de ambos terem sido usados como ?laranjas? do grupo Bellini.
Rabello foi o primeiro a depor. O ator, cantor e compositor contou que escreveu um musical, “O futuro do passado”, e queria obter patrocínio para produzir o espetáculo. Um amigo, disse ele, indicou Grupo Bellini Cultural e o apresentou Bruno Amorim, um dos filhos do dono do grupo, Antônio Carlos Bellini:
? Eu nem sabia nem da metade de tudo isso que estava acontecendo. Escrevi um musical, “O futuro do passado”, que era como um filho para mim. Na ocasião, me apresentaram o Bruno Amorim, para ir atrás de captar recursos. Não sabia como funcionava essa coisa de patrocínio. O meu único contato da Bellini era o Bruno, o senhor Bellini vi uma ou duas vezes. Não era minha área de atuação. Minha vida gira em torno do meu trabalho ? disse o artista.
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Amorim propôs a Rabello abrir uma empresa para facilitar a captação de recursos e, ao mesmo tempo, oferecer serviços em outros projetos aprovados pelo Ministério da Cultura. Rabello disse que atuou como diretor musical em alguns espetáculos, mas não sabia que sua empresa era utilizada como proponente junto ao MinC.
? Eu trabalhava. Todos os pagamentos (que recebi) foram por minha atividade como diretor musical. Não cedi minha empresa para não fazer nada. Fui iludido pelo desejo da captar de recursos para o meu musical, imaginando que estavam trabalhando nisso ? acrescentou.
Rabello disse que não participava da administração da sua empresa, a Rabello Entretenimento, nem da prestação de contas e assinou talões de cheque em branco:
? O Bruno administrava a empresa. Um dia, ele disse que eu não precisava mais do contador e que a prestação de contas dos projetos seria feita pelo contador da Bellini ? disse.
Salles foi o segundo e último a depor na sessão da CPI. O empresário disse que Bellini, a quem conhece há mais de 20 anos, o convidou no início dos anos 2000 para trazer empresas para patrocinar projetos.
? Eu vendi dois projetos, um livro e um show. Foram essas as minhas captações. Em 2012, o Bellini se aproximou de mim e disse: “Mudou a legislação do MinC. Cada empresa só pode ter cinco projetos simultâneos. Eu quero fazer mais, não quer trazer a sua empresa? Você ganha algo em torno de 2% sobre o valor do projeto”. Era para ceder a empresa. Eu assinava os cheques e a papelada, mas nada em branco ? disse Ele me disse que iria cuidar de tudo e que eu não precisaria me preocupar com nada. Então, eu assinava os cheques (em nome da Pacatu) em troca de 2% do valor de cada projeto ? disse Salles, que também negou ter participado do esquema de falsificação de recibos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).
ENTENDA O CASO
A Operação Boca Livre faz referência à expressão utilizada para eventos em que se come e bebe às custas de outra pessoa. As investigações apuraram denúncias envolvendo projetos aprovados pela Lei Rouanet. Segundo a legislação, as empresas podem aplicar recursos em projetos culturais, a título de doações ou patrocínios, em troca de renúncia fiscal.
Segundo a PF, o esquema envolvia o desvio de recursos por diversas fraudes como superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços e produtos fictícios, projetos duplicados e contrapartidas ilícitas.
De acordo com as investigações, as empresas da família Bellini apresentavam projetos ao MinC e recebiam autorização para captar recursos. O grupo teria atuado no esquema por quase 20 anos. Parte da arrecadação era utilizada para promover shows com artistas famosos em festas privadas para grande empresas, publicar livros institucionais, entre outros projetos.
Entre os eventos investigados, está a festa de casamento de Felipe Amorim, filho de Antônio Carlos Bellini, e Carolina Monteiro, realizada em abril do ano passado, na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, com a presença do cantor sertanejo Leo Rodriguez. A festa teria sido custeada com recursos provenientes de fraudes em projetos que receberam recursos por meio da lei.