Cotidiano

Escritora expõe vida da tia-avó que largou aristocracia pela música

60527358_A escritora Hannah Rothschild autora do livro A baronesa do jazz (1).jpgRIO – Nascida em uma das mais ricas famílias do mundo, os Rothschild, de banqueiros internacionais, a documentarista e escritora Hannah aproveita o fim do papo telefônico para descontrair, e pergunta ao repórter se ele costuma conversar também com músicos de jazz.

? Tem algo que faz deles entrevistados brilhantes… Algo na qualidade intelectual do jazz, na capacidade de improvisação ? discorre ela, como que a espelhar a sua biografada em ?A baronesa do jazz?, que sai agora no Brasil, pela Objetiva, quatro anos após o lançamento na Inglaterra.

O livro conta a história da tia-avó de Hannah, Pannonica, a Nica ? milionária que pilotou bombardeiros na Segunda Guerra, lutou ao lado do marido na Resistência e, em 1948, ao ouvir ?Round midnight?, do pianista Thelonious Monk, resolveu largar o casamento e os cinco filhos para viver a cena do jazz de Nova York. A obra consumiu cerca de 25 dos 54 anos de vida da escritora, que diz ter passado muito tempo sem saber da existência de Nica ? apesar de jazzistas de peso, como Monk, o pianista Horace Silver e o saxofonista Sonny Rollins terem feito músicas com seu nome, em sua homenagem.

? Descobri por acaso, nos registros de família, que Nica existia. Ela tinha sido apagada da nossa história. O que não era tão incomum, já que as mulheres sempre foram eliminadas dos relatos sobre a família Rothschild ? critica Hannah. ? Meus parentes ficaram muito nervosos quando souberam que eu estava fazendo o livro. Eles gostam das coisas perfeitas e são muito ciosos de sua reputação. Aquele não é o tipo de história à qual eles queriam se ver associados.

HISTÓRIA POUCO DOCUMENTADA

A futura escritora só conheceu Nica pessoalmente em 1984, quando foi pela primeira vez a Nova York e a tia-avó a levou em uma excursão por seus clubes de jazz ? ela morreria em 1988, após uma cirurgia de ponte de safena, aos 74 anos, cercada por 306 gatos em sua residência. Hannah conta que, apesar da estima que o mundo do jazz tinha pela milionária, exceto por uma participação no documentário ?Straight no chaser? (e o fato de Clint Eastwood tê-la posto como personagem em ?Bird?, cinebiografia do saxofonista e expoente do bebop Charlie Parker ? que morreu no apartamento de Nica), muito pouco de sua história tinha sido registrada até ela iniciar o livro.

? Para os músicos, ela era uma espécie de mascote, uma santa padroeira. Foi muito interessante sair da minha família, onde não se falava sobre Nica, e encontrar esse grupo de músicos, para quem ela era uma figura muito importante. Ela acreditava neles e os defendia numa época em que os brancos não levantavam a voz a favor dos direitos dos negros. Nica representou muito para uma geração de músicos.

A fixação da baronesa era por Thelonious Monk (1917-1982), que ela considerava ?um Einstein da música?, um músico do mesmo nível de Beethoven. Sem conseguir encontrá-lo em Nova York, foi a Paris só para vê-lo tocar. E, pelos 28 anos seguintes, cuidaria dele, tentando fazer com que Monk recuperasse a carteira que o permitia tocar nos clubes de Nova York (cassada por causa de uma prisão por porte de drogas) ? ela até se arriscou a ser presa em seu lugar, ao dizer à polícia que eram seus os narcóticos apreendidos com o músico.

? Ela não ligava para a cor da pessoa, gostava daqueles que amavam a música da mesma maneira que ela. Era duro para Nica ver os seus novos amigos sofrendo ? afirma Hannah. ? O pai dela era um homem brilhante, que tinha esquizofrenia e acabou cometendo suicídio. E ela descobriu um comportamento idêntico em Thelonious Monk. Em Nova York, ela encontrou muitos músicos com problemas mentais graves.

A escritora admite ter uma certa inveja de Nica por tudo o que ela encontrou na Nova York do fim dos anos 1940 e começo dos 50:

? Se você anda hoje pela Rua 27, há apenas blocos de concreto. Quando ela chegou lá, você podia andar por ali e ver Charlie Parker, Monk, Miles Davis e alguns dos grandes pintores e poetas daquela época. Todos viviam naquela pequena região de Manhattan. Deve ter sido maravilhoso, um ótimo tempo para se estar lá.

Ao encontrar com Nica para as primeiras conversas para um possível livro, Hannah lembra que ela não gostava muito de falar sobre o que tinha passado (?O que foi decepcionante para mim, já que eu queria saber tudo?, diz).

? Ela estava presa àquele mundo do bebop, acho que ela ia ficar muito triste com a Nova York de hoje, tentando achar aquele jazz. Eu mesma tento, e ele não está aí em qualquer esquina ? diz a inglesa, que em maio do ano passado lançou seu primeiro romance, ?The improbability of love?, comédia que se passa no mundo dos colecionadores de arte. ? Escrever livros é minha paixão agora.