Cotidiano

Entre São Paulo e Minas, o lugar de Juliana Perdigão

RIO – Mineira, morando em São Paulo há três anos, a instrumentista (flauta, clarinete, clarone), compositora e cantora Juliana Perdigão vem desenvolvendo sua república do café com leite particular ? uma espécie de ?São Horizonte??. Em seu primeiro disco, ?Álbum desconhecido?, de 2011, ela já reunia, no repertório, artistas paulistanos e mineiros. Agora, em ?Ó? (YBMusic/Natura Musical), com lançamento quinta-feira no Espaço Sérgio Porto, ela aprofunda esse encontro ? a faixa título, não por acaso, nasce de um texto de Haroldo de Campos, poeta que é uma das sínteses possíveis de São Paulo, sobre a igreja de Nossa Senhora do Ó, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte.

? São Paulo estava no meu primeiro disco, mas, numericamente, ele trazia mais a cena de BH. Agora mergulhei mais fundo nisso ? conta Juliana. ? A turma do Clube da Encruza (formada basicamente pelos integrantes do Passo Torto e do Metá Metá) tem uma busca por uma certa aspereza, uma sonoridade ruidosa, com um acabamento menos esmerado do que a gente tem costume em Minas. A gente tem um lirismo, um astral meio telúrico. Em São Paulo é mais cru. O Romulo (Fróes, produtor de ?Ó?) ficava zoando quando a gente queria fazer mais de um take: ?lá vem a lâmpada mineira? (?girar a lâmpada? é uma expressão que brinca com a busca do perfeccionismo, como alguém girando a lâmpada indefinidamente para trocá-la).

Passar o olho entre os compositores do disco revela o mapa da São Horizonte da cantora, seu misto de Clube da Esquina e Clube da Encruza. Estão lá as cenas de São Paulo (em nomes como Romulo, Zé Celso, Nuno Ramos, Kiko Dinucci, Ná Ozzetti, Guilherme Held e Clima) e a de Belo Horizonte (Luiz Gabriel Lopes, Kristoff Silva, Makely Ka, Rafael Ludicanti e a própria Juliana). Do Rio, Ava Rocha e Negro Leo dão a liga. A alquimia vem de um caminho que inclui rodas de choro em BH, o grupo Graveola e o Lixo Polifônico, as turnês como instrumentista da banda de Tulipa Ruiz, o Teatro Oficina ? onde ouviu ?Aeiuo?, que abre (e fecha, na versão ?AeiuoZé?, com Zé Celso) o disco.

? Ela vem de um poema de Rimbaud no qual ele sugere essa inversão de vogais, fechar no ?u? pra abrir no ?o?. Zé Celso fala do ?ó? do gozo ? diz Juliana, que credita a música no disco a Zé Celso Fela Kuti Rimbaud.

Mudança atravessa o álbum

Costurando Tropicália, Clube da Esquina e a Vanguarda Paulistana, Juliana fez (com sua banda, Os Kurva) um disco atravessado pela ideia de mudança:

? ?21 horas? fala da chegada num lugar novo, de perceber ?um traço da cidade em mim?. ?Depois que o 9 virou 6?também é isso. ?Hino da alcova libertina? é uma canção do carnaval de Belo Horizonte. Ao mesmo tempo, ela pede que chutemos ?a família mineira?, que pode ser qualquer uma, pode ser paulistana. ?Crack pra ninar? é a mais dura do disco, um retrato de uma realidade pesada de cidade grande. Por outro lado, ?Mãe da lua? é mais ligada à natureza. O disco tem esse encontro de lugares e situações opostas.

Juliana Perdigão

Onde: Espaço Sérgio Porto ? Rua Humaitá, 163 (2535-3846). Quando: quinta, às 20h30m. Quanto: R$ 20. Classificação: Livre.