LONDRES ? A indefinição sobre o futuro atinge hoje todos os setores do Reino Unido, país que mergulhou num período de turbulência política e econômica após a aprovação do fim da parceria com a União Europeia (UE). Os efeitos colaterais do Brexit (saída britânica) não poupam universidades que estão entre as melhores do mundo. Alunos e professores europeus que têm direito a estudar e trabalhar no Reino Unido graças às fronteiras abertas da UE podem ser afetados, assim como fundos essenciais para pesquisas. No rastro do Brexit, a posição das universidades britânicas como líderes globais em ciência e inovação enfrentará obstáculos. Brexit_0307
Cerca de 125 mil estudantes europeus frequentam atualmente instituições de ensino superior no Reino Unido. Nenhum outro lugar do mundo, com exceção dos EUA, atrai tantos alunos estrangeiros. A grande quantidade de jovens falando diferentes línguas forma uma base multicultural vibrante, sustentada pela diversidade, em cidades como Londres, Oxford, Cambridge e Edimburgo. Os que vêm de países membros da UE têm direito aos mesmos preços e benefícios que os britânicos. Sem o bloco europeu, as regras devem sofrer mudanças, elevando consideravelmente os custos de uma graduação ou pós-graduação para essa massa de alunos (5% do total de estrangeiros). O potencial de estrago do Brexit ainda está sendo avaliado, mas o clima é de pessimismo no meio acadêmico.
Às vésperas do referendo que decidiu o rompimento com a UE, cem vice-reitores de universidades britânicas divulgaram um alerta sobre os perigos do Brexit para o status global das instituições de ensino. ?Deixar a UE criará um ambiente difícil para o investimento a longo prazo no ensino superior e pesquisas, o que é necessário para o Reino Unido manter sua posição como uma economia do conhecimento altamente qualificada e globalmente competitiva?, dizia o documento. No dia seguinte à vitória do Brexit, as universidades foram rápidas em avisar que, por enquanto, nada muda nas condições oferecidas aos estudantes e funcionários europeus. A participação em programas de intercâmbio e o acesso a fundos também continua igual a curto prazo. Porém, como o Reino Unido terá que rever todos os acordos com a UE nos próximos anos, o ensino superior vive tempos de incerteza.
ESTUDOS CONJUNTOS
O resultado do referendo revelou um contexto de insatisfação da maioria da população com a imigração, as políticas aprovadas em Bruxelas e os efeitos da globalização, mas está cada vez mais claro que os defensores do Leave (saída) ficaram aturdidos com a própria vitória e não tinham um plano concreto de retirada. Só no setor universitário, fundos europeus de pesquisa movimentaram 836 milhões de libras esterlinas (R$ 3,5 bilhões) no ano passado e geraram 8,8 mil empregos diretos. Um exemplo de colaboração que prova a força da aliança com a UE: a Universidade de Cambridge recebeu milhões de libras para pesquisar a incidência de câncer de mama e ovário em diferentes países europeus. O resultado foi um teste genético (Boadicea) que detecta a predisposição para o desenvolvimento da doença, já adotado por oncologistas e clínicos gerais na Europa. Vidas podem ser salvas com acompanhamento ou tratamento adequados.
? O impacto do Brexit é um desastre ? resume a brasileira Renata Schaeffer, responsável pela área de política e estratégia dos fundos europeus da Universidade de Cambridge, primeira colocada no ranking britânico. ? Não se faz pesquisa hoje sem um intenso trabalho de cooperação internacional, e a grande maioria dos parceiros de Cambridge é da Europa ? explica ela, ressaltando que a Inglaterra recebe mais do que investe nos fundos europeus.
A conexão entre as universidades do bloco também é fundamental para o sucesso do Erasmus, o maior programa de intercâmbio do continente, que já beneficiou três milhões de jovens, entre eles 200 mil britânicos, em três décadas. Ainda não se sabe como o Brexit afetará o programa. Segundo Ronald Barnett, professor do Instituto de Educação da University College London (UCL), existe ainda o risco de as universidades britânicas se tornarem menos atraentes também para acadêmicos altamente qualificados.
? É difícil fazer previsões, mas alguns aspectos poderiam contribuir para isso: pode ocorrer uma redução dos financiamentos; há uma clara intenção de exercer maior controle sobre a imigração e pode haver uma percepção, mesmo que incorreta, de que o Reino Unido é pouco acolhedor para quem vem de fora. Acadêmicos poderiam considerar, mesmo que equivocadamente, que as universidades britânicas foram diminuídas em alguns aspectos ? avalia ele.
Para o estudante francês Hippolyte Abadie, que faz doutorado em Artes Visuais em Londres, a curto prazo não há motivos para mudar seus planos, mas ele já olha para o futuro de outro jeito.
? Com certeza não quero planejar uma carreira acadêmica num país que está fora da UE ? afirma.
Uma pesquisa com estudantes estrangeiros que consultaram universidades britânicas ou que já estão em meio ao processo de seleção evidencia o impacto negativo do Brexit: para 47%, a educação no Reino Unido fica menos interessante sem a integração com a UE (17% declararam o oposto e 35% afirmaram não ver diferença). Entre os candidatos europeus, o índice dos que se sentem menos atraídos pelo ensino superior britânico pula para 82%. Enquanto um estudante britânico e europeu paga um valor máximo de 9 mil libras esterlinas por ano (R$ 38,7 mil), o preço para outras nacionalidades pode subir para 15 mil libras (R$ 64,5 mil).
Mesmo para quem não está na Inglaterra com um passaporte do bloco, como é o caso do bielorusso Ales Herasimenka, que também estuda na capital britânica, o Brexit preocupa:
? Não vejo consequências imediatas, mas se a UE ficar mais fraca, seu principal benefício para a Europa, a paz, corre risco. O bloco é um dos principais fatores que impedem uma guerra no Leste Europeu, como a deflagrada na Ucrânia.