RIO – Desde que foi lido pela primeira vez, em 1928, o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade norteou alguns dos principais artistas e movimentos culturais do país, de Hélio Oiticica a Glauber Rocha, do tropicalismo ao mangue bit. Hoje, porém, a real amplitude dos seus conceitos não é sempre compreendida, nem mesmo por seus mais novos seguidores, acredita a atriz, poeta e compositora Beatriz Azevedo.
Fascinada pelo tema há 20 anos, ela decidiu pesquisar a fundo as ideias do agitador modernista, escrevendo o que Eduardo Viveiros de Castro (seu professor de Antropologia no Museu Nacional) chamou de “a primeira leitura realmente microscópica” já feita sobre o manifesto.
O resultado está no livro “Antropofagia – palimpsesto selvagem”, em que esquadrinha e contextualiza os aforismos revolucionários de Oswald. Lançado nesta terça-feira, o ensaio é a última obra editada pela Cosac Naify, que encerrou suas atividades no ano passado, e traz ilustrações inéditas do artista plástico Tunga, morto em junho.
– Eu sentia falta de um estudo mais aprofundado sobre o manifesto – diz a autora. – Muitos artistas de hoje associam sua obra aos insights de Oswald, mas sem saber exatamente o que é a antropofagia, ou o contexto em que foi criada. É como se tudo fosse antropofagia, virou tipo uma grife. Ao mesmo tempo, faltava esse livro que explicasse a própria história do manifesto. Quanto mais eu avançava no tema, mais percebia que havia uma confusão entre o rito antropofágico dos ameríndios em si e como isso foi parar no texto de 1928. Queria preencher esses elos vagos.
Ao abordar as perspectivas históricas do manifesto, Beatriz lembra a sua atualidade, tanto no que diz respeito à cultura de compartilhamento digital, quanto na defesa de uma política inspirada no matriarcado de Pindorama. Impossível não fazer paralelos com que acontece atualmente em Brasília, acredita a autora.
Mas há também outro detalhe que passa despercebido para muitos teóricos e ativistas da chamada “revolução digital”: muito antes do surgimento do creative commons, a entidade global criada no século XXI com o objetivo de dar maior flexibilidade na utilização de obras protegidas por direitos autorais, Oswald já havia tornada a sua obra livre para ser “produzida, copiada e deformada em todas as línguas”.
– A cultura dos grandes hackers do século 21 é profundamente sincrônica com a antropofagia de Oswald – observa Beatriz. – Ele praticamente antecipou o creative commons em sua época, um pensamento filosófico que incentiva a recombinação e o compartilhamento, elementos que são defendidos pelo melhor da cultura digital de hoje. E não se limita a isso, o manifesto também mostra que os índios já eram comunistas antes do comunismo, já eram surrealistas antes do surrealismo.
Serviço:
“Antropofagia – palimpsesto selvagem”
Autora: Beatriz Azevedo
Editora: Cosac Naify
Páginas: 240
Preço: R$ 45