SÃO PAULO – A ONG Human Rights Watch denunciou que as forças da coalizão militar liderada pela Arábia Saudita no Iêmen dispararam foguetes de munição cluster (de fragmentação) de fabricação brasileira num ataque que feriu dois meninos. A ONG pró-direitos humanos relatou que os projéteis, que são banidos internacionalmente, atingiram uma fazenda no Norte do Iêmen no final de fevereiro. A coalizão realiza uma ofensiva aérea no Iêmen em apoio ao governo do presidente Abd Rabbo Mansour Hadi contra os rebeldes xiitas houthis e as forças lideradas pelo ex-ditador Ali Abdullah Saleh em março de 2015. Avibras conteúdo
Em 22 de fevereiro passado, Muhammad Dhayf-Allah, de 10 anos, e Ahmad Abdul-Khaleq, de 12, trabalhavam na fazenda de seus parentes na área de al-O?albi, na província de Saada. Muhammad foi ferido no antebraço esquerdo, e Ahmad, na coxa da perna direita e nas costas. Os parentes dos garotos os levaram ao hospital al-Jumhouri para tratamento.
Um dos proprietários da fazenda, Tareq Ahmad Saleh al-O?airi, 25 anos, afirmou que estava em uma estufa com os meninos e viram uma bomba explodir a cerca de 50 metros de distância. Falou para as crianças se deitarem no chão.
? Uma das bombas caiu a cinco metros de distância e explodiu, ferindo os dois meninos. Duas ou três bombas detonaram dentro das estufas [e] por volta de 60 bombas explodiram no perímetro. Era como se fosse o Dia do Juízo Final ? relatou ele.
Fotografias compartilhadas por al-O?airi mostram uma mecanismo de explosão de um foguete de fragmentação ASTROS, da fabricante de armas brasileira Avibrás, acusação também feita por outras testemunhas. O tio dos meninos, que estava próximo, afirmou que o ataque destruiu mais de 30 painéis solares em áreas espalhadas.
As munições de fragmentação contêm múltiplas submunições explosivas menores que se espalham por uma vasta área. Muitas não são detonadas imediatamente e deixam submunições carregadas que se tornam minas terrestres, “representando uma ameaça por muito tempo após o fim do conflito”, relatou a ONG.
? O uso contínuo das munições cluster, amplamente proibidas, por parte das forças lideradas pela Arábia Saudita no Iêmen mostra profundo desrespeito pelas vidas dos civis ? disse Steve Goose, diretor da divisão de armas da Human Rights Watch e presidente da Coalizão Contra Munições Cluster, uma coalizão internacional de grupos que trabalham para erradicar as munições deste tipo. ? A Arábia Saudita, seus parceiros na coalizão e também o Brasil, na posição de fabricante, devem aderir imediatamente ao tratado internacional amplamente reconhecido que proíbe as munições cluster.
BRASIL NÃO É SIGNATÁRIO DE CONVENÇÃO
A Human Rights Watch documentou o uso de munições de fragmentação pela coalizão em 18 ataques ilegais no Iêmen que mataram ao menos 21 civis, feriram outros 74 e em alguns casos atingiram áreas civis. A ONG e a Anistia Internacional relatou ainda o uso de sete tipos de munições do tipo fabricadas nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Brasil.
Munições de fragmentação são proibidas por um tratado de 2008 reconhecido por 100 países e assinado por outros 19, embora não por Iêmen, Brasil e Arábia Saudita, nem por seus parceiros da coalizão: Bahrein, Egito, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Catar, Sudão e Emirados Árabes Unidos.
Na semana passada, a Avibrás declarou não poder confirmar se munições estariam sendo usadas no Iêmen, mas alegou que desde 2001 seus foguetes ASTROS são equipados com um ?confiável dispositivo de autodestruição que atende aos princípios e legislações humanitários? da Convenção sobre Munições Cluster.
“As soluções técnicas preconizadas pelo Tratado de Oslo são decorrentes de seus países mentores por interesses comerciais, as quais divergem das soluções adotadas pela AVIBRAS, que também atendem às premissas humanitárias de Oslo. Todos os produtos de defesa fabricados pela AVIBRAS respeitam estes aspectos humanitários”, relatou a empresa num comunicado do último dia 9.
Em dezembro de 2016, 141 países votaram a favor de uma resolução sobre estas munições em uma Assembleia Geral da ONU. A resolução solicitava aos países que ainda não haviam aderido à Convenção sobre Munições Cluster que o fizessem. Rússia e Zimbábue votaram contra, e 39 países se abstiveram, incluindo o Iêmen, o Brasil e a Arábia Saudita.
? O silêncio do governo brasileiro é uma resposta completamente inadequada às crescentes preocupações com as vítimas civis do uso de foguetes de munição cluster brasileiros pela coalizão saudita no Iêmen ? criticou Goose. ? O Brasil deve reconhecer que munições cluster são armas proibidas que nunca devem ser fabricadas, enviadas ou usadas devido aos danos que causam a civis.