Cotidiano

Antonio e Camila Pitanga revivem imagens do passado em documentário

RIO – Camila e Antonio Pitanga olham juntos uma foto do passado. Na antiga imagem, pai e filha se divertem com um pano de estampa africana. Ele, com seu sorriso escancarado de sempre; ela, com um barrigão, nas semanas finais da gravidez. Quase nove anos depois, tentam refazer a cena, agora com a presença de quem não era nascida na época. Ainda há dúvida sobre como Antonia, de 8 anos, vai se posicionar na nova foto, mas ela mesma dá um jeito. Entra de mansinho, passa o braço pela cintura da mãe e encara a câmera. Em vez de virar o rosto para cima, como na imagem original, Camila olha para a menina. E não consegue segurar as lágrimas: “Lembrei da sensação da barriga”.

A brincadeira de olhar para o passado dos Pitangas, buscar alguns de seus momentos mais significativos e trazê-los para o presente ? refazendo fotos de até 40 anos atrás (veja o resultado ao longo desta reportagem) ? casa perfeitamente com o momento que Camila e Antonio estão vivendo. No início de abril, chega aos cinemas o documentário ?Pitanga?, primeiro filme dirigido pela atriz, junto com Beto Brant. O longa traz dezenas de encontros de Antonio com atores, cineastas, músicos, amigos e familiares, além de imagens de grande parte dos mais de 60 filmes e peças em que atuou.

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Nada de entrevistados sentados respondendo a perguntas dos diretores. É o próprio ator quem vai apresentando sua história, a partir de conversas absolutamente livres com nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil, Cacá Diegues, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, os filhos Camila e Rocco, e as netas Amanda, Bruna e Antonia. ?A gente fazia besteira e, em vez de apanhar, ele fazia um sermão de duas horas. Eu dizia: ?Pai, bate logo e libera a gente? (risos). E ele: ?Não, senta aí, vamos conversar mais??, conta Rocco, a certa altura do filme. Pitanga gosta muito de falar. Ao final das filmagens, eram cerca de 90 horas de material bruto.

No papo com Maria Bethânia, descobre-se que eles foram namorados na juventude, ainda na Bahia. ?Você foi minha primeira namorada?, ele diz. ?A primeira em Salvador, né??, completa ela, aos risos. A cantora ainda manda um recado para a mulher do ator, ao final: “Dá um beijo em Benedita, diz para ela não ter ciúmes. Ela sabe de tudo”.

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O lado conquistador é apenas uma de suas muitas facetas que o filme revela. Há ainda o Pitanga político, o Pitanga do movimento negro, o Pitanga malandro e, claro, o Pitanga ator, um dos maiores representantes do Cinema Novo. Tem também o Pitanga pai, que cortou um dobrado cuidando de Camila e Rocco, quando se separou de Vera Manhães e ficou com a guarda dos filhos, na época com 6 e 3 anos. A relação de Antonio com Rocco e Camila é tão intensa que ela fez questão de ?reservar? o nome do pai antes mesmo de engravidar:

? Rocco é mais novo que eu, mas teve filha antes. Quando veio a notícia da primeira gravidez, liguei para ele. ?Rocco, eu sei que você está aí, esperando um filho, mas, cara, o sonho da minha vida é homenagear o papai, com meu primeiro filho sendo Antonio ou Antonia?. E assim foi.

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Enquanto Camila e Antonio Pitanga revivem cenas do passado, a trilha sonora é Maria Bethânia, ela própria, a mesma que no documentário recorda o namoro com o ator. ?Como esta noite findará/ E o sol então rebrilhará/ Estou pensando em você/ Onde estará o meu amor??, cantarola Camila, já com a roupa branca para a segunda foto do dia. O abraço que dá no pai, de frente para o fotógrafo, tem como inspiração o mesmo aconchego capturado numa madrugada de carnaval na Sapucaí. Camila acredita que no registro tinha entre 9 e 10 anos, não tem certeza. Lembra claramente que foi a primeira noite que passou acordada.

? Eu amo esta foto ? diz ela, enfatizando a palavra ?amo?. ? Imagina o que é para uma menina finalmente ver aqueles carros alegóricos de perto?

Bethânia agora interpreta “Âmbar”. “Vem cantar comigo, filha. Esta você sabe a letra inteira”, diz Camila para Antonia. Pitanga sorri e explica que as duas passaram muito tempo ouvindo as músicas em casa, quando Camila participou dos shows que celebravam os 50 anos de carreira da cantora, interpretando exatamente essa canção. Não deve ser por acaso que o encontro de Pitanga e Bethânia é o escolhido pela menina como a melhor parte do documentário. Logo depois ela emenda:

? Gosto também quando mostram ele entrando na casa antiga na Bahia.

Álbum de família dos Pitangas

À primeira vista, o longa parece um projeto que nasceu em família, mas a ideia não veio de Camila. Foi Beto Brant que sugeriu, depois de viajar pelo Brasil com pai e filha para divulgar ?Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios?, filme que dirigiu e que tinha os dois no elenco. Encantou-se com tudo o que o baiano de 77 anos ? ele faz 78 em junho ? contava. Pitanga não aceitou a ideia de primeira.

? Sou mangueirense e apaixonado por Nelson Cavaquinho, que dizia que as homenagens têm que ser feitas ainda em vida ? diz ele. ? Mas quando alguém chega e diz que quer fazer um filme só sobre a sua história, você treme.

A história de Pitanga começa no final dos anos 1930, no Pelourinho. Naquela região morava Maria da Natividade, a mãe. O pai não queria participar da educação do menino, e a moça foi logo dizendo: ?Se é para atrapalhar, tchau?. Para Pitanga, ela foi mãe e pai em sua criação.

Sabedora das traquinagens do filho, Maria da Natividade matriculou Pitanga, que na época atendia pelo nome de Antonio Luiz Sampaio, em um colégio interno. De lá, ele foi trabalhar na Western, companhia inglesa de telégrafo. A vontade de ser ator começou a ser amadurecida no caminho entre a casa e o trabalho. Todos os dias, ao passar pelo clube Fantoches da Euterpe ? “Um clube racista, onde eu não conseguia entrar”, ele frisa ?, via pelas grades vazadas atores como Othon Bastos e Geraldo Del Rey ensaiando. Quis se juntar.

Em um teste para um pequeno papel do filme “Bahia de todos os santos”, de 1960, consegue um personagem muito maior, que acabou lhe rebatizando na vida. Um malandro que fazia alguns trambiques e que acaba se envolvendo com a luta sindical. Pitanga.

Em grandes filmes como ?O pagador de promessas?, de Anselmo Duarte, ou ?Barravento?, de Glauber Rocha, o nome Antonio Sampaio ainda aparece nos créditos. Mas já nessa época, as pessoas só se referiam a ele como ?Antonio Sampaio, o Pitanga?, por causa do ?Bahia de todos os santos?, de Trigueirinho Neto. A mudança do nome artístico vem em 1965, a partir de produções como ?A grande cidade?, de Cacá Diegues. Depois, a arte influenciou a vida: no fim dos anos 1990, o sobrenome Pitanga foi registrado em cartório, como presente para os filhos.

? Eu e Rocco já usávamos o Pitanga como nome artístico, e ele encarou o trâmite burocrático sem nos contar. De repente, trouxe tudo resolvido: “Pronto, você é Camila Pitanga” ? lembra a atriz.

Desde muito pequenos acostumados a frequentar os sets e as gravações de novela com o pai ? que levava os meninos para cima e para baixo, porque muitas vezes não tinha com quem deixá-los ? é difícil imaginar que os filhos de Antonio Pitanga seguiriam outro caminho. O pai não era o maior incentivador da escolha pela carreira, ?pois conhecia bem seus percalços?. Mas depois deu o braço a torcer, vendo o empenho dos dois. Os Pitangas

Rocco guarda com carinho as lembranças de novelas como ?Ana Raio e Zé Trovão? e ?Corpo santo?. As filmagens de ?Quilombo?, de Cacá Diegues, do início da década de 1980, são a primeira memória de Camila dessas idas ao trabalho do pai:

? Tenho na cabeça a imagem de Zezé Motta, maravilhosa, se transformando com aqueles adereços e amarrações.

Zezé também está no documentário “Pitanga”, e o encontro dos dois acontece no apartamento da atriz. Na parede da sala, há uma foto de ambos caracterizados como Dandara e Acaiuba, no mesmo “Quilombo” das lembranças de Camila. O ator olha atentamente a imagem e brinca: ?Sou eu ou Rocco??.

As semelhanças entre pai e filho são realmente impressionantes e vão além da questão física. Depois que a mãe de suas filhas morreu, Rocco assumiu a criação das duas meninas e mora agora em Jacarepaguá, na mesma casa em que viveu com o pai e a irmã durante a infância e parte da adolescência.

? Olho para trás e vejo meu pai ainda maior do que imaginava. Hoje temos outra estrutura familiar. Antes éramos apenas nós três, com parentes morando na Bahia e em São Paulo.

A família Pitanga cresceu também por conta de uma grande rede de afeto ? e não só por laços sanguíneos. A madrasta Benedita da Silva e seus filhos; o ex-marido de Camila, Cláudio Amaral Peixoto, e sua filha, Maria Luiza, que é meia-irmã de Antonia… Esses e outros formam a família da atriz, de Rocco e de Pitanga. E ela poderá aumentar, já que Camila planeja ter mais filhos. Ela namora o ator Igor Angelkorte. Já teria nome reservado, como foi com Antonia?

? Primeiro, temos que produzir! ? ela ri. ? Não posso levar tanto tempo quanto foi com ela, já que estou com 39 anos.

Pitanga, gaiato, assiste à cena e faz um pedido para a repórter.

? Futuca um pouquinho mais que eu também quero saber.

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Edição de moda: Rogerio S. / Beleza: Mary Saavedra com produtos Nars e Lowell / Assistentes de fotografia: Leonardo Graf e Leo Mendez / Tratamento de Imagem: Régis Panato – PHOTOUCH

Camila, Antonia e Antonio Pitanga vestem: Isabela Capeto, Eva, Patricia Goodman, Reserva, O Grito, Renner, KA, Cris Barros, Isolda, Baobá