Cotidiano

Álvaro Amorim: 'Pleitear empréstimo já foi motivo de desonra?

?Sou mineiro, de Belo Horizonte, tenho 34 anos, e vim de uma família bem tradicional. Ter ido para a Índia mudou a visão que eu tinha sobre o mundo e sobre mim mesmo. Depois de dois anos com negócios naquele país, mudei-me para lá. Hoje, sou CEO do escritório indiano da SalaryFits.?

Conte algo que não sei.

A Índia é um mercado muito peculiar, e é fundamental entendê-lo. Nosso olhar ocidental ainda vê aquele país como algo distante. Por mais caótico que pareça, há uma organização em tudo. Para um executivo, vale muito a pena passar por um estágio no país, porque é uma experiência que serve como um mestrado.

O que mais o atrai na Índia?

É um país riquíssimo, não só nos aspectos cultural e histórico, mas econômico, também. É a segunda nação com o maior crescimento no mundo, que chega a ser de 8% ao ano, quase ultrapassando o da China. No entanto, é um país milenar, com uma tradição de poupadores. Para se ter uma ideia, uma família de renda baixa ? e lá, quando é baixa, é baixa mesmo ? ainda consegue juntar 30% do que ganha. Um hábito diferente do brasileiro.

Como foi a desmonetização feita no ano passado pelo governo?

Em novembro do ano passado, o governo indiano tirou de circulação duas das principais cédulas da rúpia (moeda do país): a de 500 e a de mil. Isso obrigou toda a população a ir aos bancos depositar ou trocar esse dinheiro.

A reação foi tranquila?

Na época, nós fomos surpreendidos. É uma nação de poupadores, ou seja, uma economia familiar que vai concentrando o capital em casa, o que gera um acúmulo surreal de dinheiro em papel. A desmonetização não foi simples, principalmente em um país de 1,3 bilhão de habitantes, sendo que 21% dos indianos não tinham conta bancária. Houve filas gigantescas nas portas dos bancos, e isso tirou cerca de 86% do capital circulante do mercado.

E qual foi o impacto?

O primeiro momento foi um caos, o país parou. Os bancos trabalhavam 24 horas incessantes. Havia mais de um bilhão de pessoas tentando trocar as cédulas. Então, não existiam notas suficientes para todo mundo. As outras ações bancárias foram interrompidas. Foi um passo para trás que a economia deu para dar vários outros para frente em um curto espaço de tempo. E foi algo abrupto. Agora, tudo está começando a se estabilizar. Cinco meses depois, os bancos podem respirar.

E o que mudou no comportamento da população?

Existe uma informalidade muito grande na Índia. Os números oficiais apontam 1,3 bilhão de pessoas, mas alguns especialistas já dizem que este número ultrapassa os dois bilhões. A desmonetização trouxe uma mudança de hábito e de cultura da população, que continua poupadora, mas o consumo tem sido cada vez mais incentivado no país. Com isso, até mesmo o cenário de empréstimo ascendeu, o que antes não era bem visto. Para os mais velhos, pleitear um empréstimo era motivo de desonra para a família.

Como a economia se manteve nesse período de adaptação?

Entre as soluções que chegaram nesse momento, estão as chamadas fintechs, plataformas tecnológicas para o meio financeiro. Isso manteve a economia ativa, já que a pessoa que não tinha conta bancária usava as fintechs para ser incluída novamente no mercado. Um exemplo é a carteira digital, um aplicativo para pagar contas e outras compras, sem a dependência de um banco.