DIREITO DA FAMÍLIA

Não aceite doce, nem do conhecido

Tirem as crianças da sala, porque o assunto é sério. Mas, mantenham-se vigilantes sobre seus cuidadores ou amigos. Em meio ao caos, no desespero pela sobrevivência, mães não só choram pelas vidas perdidas, mas também pela dignidade violada: crianças sendo estupradas. Diria o historiador Leandro Karnal que a crise evidencia o ser humano em sua totalidade, inclusive em sua canalhice. Essa que não tem vergonha de permear as relações familiares ou mesmo com os representantes da palavra divina – alguns pastores têm sido também postos à luz nos “pecados da carne” contra crianças e adolescentes.

Na grande maioria dos casos relativos a abusos infantis existem um elemento em comum: a confiança. Confiança conquistada pela criança e por seus cuidadores que, como o lobo em pele de cordeiro, se traveste de pretenso amor e carinho. Porque diferente do que é pregado, não existe o alecrim dourado que só confia em pessoas certas; não está escrito na testa de ninguém o seu caráter, ele é constantemente escondido pelas máscaras sociais.

Sendo Maio Laranja, de prevenção ao abuso infantil, é importante reaprender a desconfiança com o outro, mesmo que familiar. Os vínculos sanguíneos não são impedimento necessário às práticas de violência. Também é imperativo ensinar a criança e o adolescente sobre seu corpo – nunca é cedo demais. Ensinar sobre a higiene, sobre o toque de carinho, sobre as partes proibidas, para que ela possa compreender qualquer gesto distinto e relatá-lo a um adulto de confiança (novamente a boa e velha crença no outro).

Os abusadores nem sempre praticarão efetivamente conjunção carnal com o menor, o que não descaracteriza a violência. Segundo a legislação penal, o ato libidinoso contra menor de 14 anos (passar a mão em partes íntimas, beijos lascivos, fazer carinho, masturbar-se em frente à criança) também configura estupro de vulnerável. Mesmo que haja consentimento ou relacionamento amoroso entre vítima e acusado, os Tribunais têm entendido que a violência é presumida.

Os efeitos psicológicos às vítimas são devastadores e podem às acompanhar por toda a vida. Sua dignidade foi corrompida, mas ela pode tomar consciência disso tardiamente, na idade adulta, o que não impede o reconhecimento da necessidade de reparação do dano, por meio de indenização. Não há dinheiro que compense tal sofrimento, assim como não há diante da perda de um ente querido. A função reparadora à vítima também é pedagógica ao abusador, a fim de coibir a reiteração de tal prática.

Porém, se pagar algo impedisse alguém de repetir a conduta, os departamentos de trânsito já estariam falidos. Crianças são responsabilidade dos pais, mas também da família e da sociedade. Então, vigie a inocência dos pequenos e ao sinal de mudança de comportamento ou de sofrimento do menor, não ouse em desconfiar, mesmo de pais (altos índices de abusos pelos próprios pais), e acolher. E continuem a ensinar a não aceitar doces de estranhos (ou dos conhecidos), o aliciamento pode morar aí.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito