Você já foi à Academia, nega? Não? Então vá. Tem poeta, tem jurista, tem advogado criminalista, tem economista, tem cientista social. Estes são, basicamente, os perfis de atividade dos atuais favoritos na disputa das cadeiras ora vagas naquela que, para muitos, é a mais cobiçada das instituições culturais brasileiras.
A diversidade curricular e social está em perfeita sintonia com os critérios fundados por Machado de Assis e Joaquim Nabuco com inspiração no modelo francês, e está na ponta da língua de qualquer um dos candidatos. Como o cientista social e ex-ministro da Cultura Francisco Weffort, dos poucos que, procurados, aceitaram falar com naturalidade da sua candidatura:
? O critério, como sabemos, é de uma abertura não só para quem professa a literatura, mas para quem tenha uma vida cultural reconhecidamente rica, como o médico humanista Ivo Pitanguy. E que tenha escrito pelo menos um livro. Pelo menos, não é? ? enfatiza, com possível ironia, o candidato, que disputa a cadeira deixada vaga pelo eminente cirurgião plástico e intelectual falecido há pouco mais de um mês.
Se Weffort confessa, como motivo para concorrer, uma certa solidão intelectual desde que se desvinculou do meio universitário (?Hoje, basicamente, sou apenas uma pessoa que escreve e lê?), seu adversário mais próximo numa lista de cinco, o poeta e letrista Antonio Cicero, em trânsito para Portugal, pergunta, por e-mail, se ainda dá tempo para falar. Mas, ao saber o assunto da reportagem, silencia em definitivo. Mais falante, o pesquisador e musicólogo Ricardo Cravo Albim, correndo por fora na mesma cadeira, defende seu nome sem pudores:
? Por que concorro? A Academia não abriga há tempos um escritor que privilegie a música popular, embora o acadêmico Luiz Paulo Horta conhecesse tudo. Cantarolávamos juntos, em saraus, as grandes letras. Tenho intimidade com a ABL há 50 anos, porque gravava os acadêmicos para a posteridade, a pedido do presidente Austregésilo de Athayde. Em outras palavras, concorro porque, ao passar por ela, meu coração, não sei por que, bate tão feliz…
Questão de personalidade. Candidato à vaga do crítico, ensaísta e jornalista Sábato Magaldi, considerado o maior estudioso de teatro do Brasil, o poeta Geraldo (Geraldinho) Carneiro, também roteirista, tradutor e letrista, recusou-se formalmente a falar, de acordo com a praxe que geralmente prevalece: enviar uma carta de intenção à secretaria da ABL, telegramas, e-mails, telefonemas e eventuais encontros com o colégio eleitoral, formado por 40 imortais . E, depois, calar-se até o resultado. Como diz Weffort, ?Eles são os patrões daquilo lá, e cada patrão é um eleitor altamente qualificado, cujo voto é secreto e sagrado?.
Porém, no dia seguinte à negativa, preocupado em não ser demasiadamente lacônico (o que, definitivamente, ele não é, no trato social), Geraldinho enviou à Revista um poema, segundo ele, ?adequado às circunstâncias? (ver quadro na página à esquerda), intitulado ?Neoplatônico?, versando sobre o silêncio e seus benefícios.
Tanto cuidado, porém, não deve mudar o resultado: apesar de disputar com seis postulantes, Geraldo é considerado já eleito nas bolsas de apostas (bolsas, bem entendido, no sentido metafórico, de apostas sem fins lucrativos ou pecuniários e sem qualquer relação com os adictos apostadores de Londres).
A vitória de Geraldinho é considerada, por quem entende do traçado do Trianon, tão certa que o jurista Eros Grau (cujos telefones não funcionaram para efeitos desta reportagem), ministro do Supremo Tribunal Federal entre 2004 e 2010, com história de luta política e paassagem pelos porões de tortura do regime militar, desistiu de sua candidatura a esta cadeira. Transferiu suas fichas para a de número 40, que pertenceu ao também jurisconsulto Evaristo de Moraes Filho (falecido em julho, aos 102 anos). Pior para o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, também candidato a esta vaga e o até então favoritíssimo da disputa.
Procurado, Bacha primeiro se dispôs a retornar à ligação e, minutos depois, recusou-se terminantemente sequer a atender quando soube que a coisa tratava da disputa na ABL, o que fez saber por meio de sua secretária na Casa das Garças, onde mantém seu centro de estudos e conferências.
Já o poeta maranhense (quantos poetas, benditos sejam!) Salgado Maranhão, com poucas chances no enfrentamento acirrado entre Eros Grau e Edmar Bacha pela cadeira com maior número de concorrentes (nove), não viu problema algum em responder em seu meio de comunicação preferido, o Facebook, a um pequeno questionário sobre suas motivações.
? Minha campanha está seguindo dentro da maior leveza e descontração. Estou me apresentando para a avaliação dos acadêmicos e são eles que vão decidir se desejam a minha companhia permanente. Mandei e-mails para alguns e telegramas para outros, dado ao adiantado da hora: me inscrevi no último dia. Decidi concorrer porque a ABL é hoje a instituição mais respeitada do Brasil, que poderá ter uma capilaridade ainda maior, sobretudo, com as novas gerações. É uma confraria de intelectuais que representa a pluralidade do que temos no Brasil.
Há, contudo, motivações que estão aquém das cogitações do senso comum, como atesta Maranhão:
? Além disso, gosto muito de chá, na minha casa tomo sempre. Tenho uma interface de minha vida ligada à filosofia e às artes marciais orientais, adquiri esse hábito com meus mestres ? conclui o poeta, deixando duas perguntas sem resposta alegando estar ?sem carga?, não se sabe se o celular ou o missivista.
Para quem se interessa pelas disputas na ABL, as datas para os pleitos e os seus resultados já estão definidas: para a cadeira 24, sucessão de Sábato Magaldi, o vencedor sairá no dia 27 de outubro. A eleição para a vaga de Evaristo de Moraes Filho (cadeira 40) será em 3 de novembro e a da cadeira 22 (deixada vaga por Ivo Pitanguy), no dia 24 do mesmo mês. Até lá, tudo é silêncio, salvo exceções. Talvez um coquetel extemporâneo às vésperas, ou uma recepção na calada da noite, e só.