Cascavel – “Quando estourou a rebelião, percebemos uma grande gritaria e a euforia dos presos, que se achavam injustiçados. No bloco em que eu estava, o 3, a movimentação dos rebelados chegou por volta das 10h. Foi um alvoroço muito grande. A polícia tentando segurar, os presos ateando fogo em colchões (…)”, este relato é de um dos presos, o mais conhecido entre todos que estavam na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel) naquele fatídico dia 24 de agosto de 2014 e apontado na época como um dos negociadores do fim da rebelião, o ruralista Alessandro Meneghel.
Em entrevista exclusiva ao Jornal O Paraná, o apenado pela morte do policial federal Alexandre Drumonnd Barbosa em abril de 2012 prestou à reportagem relatos inéditos na rebelião mais sangrenta da região e uma das mais cruéis em todo o sistema carcerário paranaense com cinco mortos decapitados e dezenas de feridos.
Segundo ele, foram momentos de terror vividos ao longo de quase três dias em que a Penitenciária foi tomada pelos presos.
Movimentação
Meneghel contou que a movimentação dentro da unidade prisional começou pouco depois das 5h, ainda na madrugada do dia 24 de agosto, quando um agente penitenciário foi rendido por detentos no Bloco 1. Meneghel lembra que só teve noção da dimensão do motim quando foi para o telhado da unidade: “Quando eles abriram a porta de onde eu estava, a penitenciária estava tomada. Me levaram até um buraco no telhado e só quando estava lá em cima vi o que realmente estava acontecendo”.
Questionado sobre o fato de ter sido apontado primeiramente como um dos líderes da rebelião e posteriormente ser visto como o mediador nas tratativas para o fim do motim, o ruralista disse que em momento algum teve qualquer tipo de envolvimento direto com o caos vivido lá dentro: “Nunca comandei nada, nunca articulei nada, não tive participação nenhuma na abertura das grades. O que fiz pela situação de conhecer os dois lados foi tentar ajudar para que parasse. Quando subi vi a situação muito difícil, muito perigosa e minha vida correndo risco também. E de que forma tentei isso? Conversando”.
Meneghel disse ainda que pediu para que a polícia, naquele momento, parasse de atirar e pediu aos presos para que parassem de matar, já que tinham decapitado algumas pessoas – cinco foram mortas no total. Só assim poderia começar uma negociação.
O ruralista afirmou que nunca teve poder de comandar os presos. “Lá dentro é cheio de facções e são as facções que comandam. Eu não faço parte de facção alguma, nunca fiz parte disso, simplesmente intervi pelo conhecimento. Com isso eles me ouviram e, graças a Deus, eles pararam e ninguém mais morreu”.
Articulação
Alessandro Meneghel disse que o burburinho de “virar a cadeia” rolava havia algum tempo. “Todos ouvem todos os dias que a cadeia vai virar. É só o preso ter a oportunidade de pegar um agente e alguma coisa acontecer. Se a situação está tranquila é mais difícil. Mas se os presos se sentirem injustiçados, ou mesmo se forem tratados mal, se está acontecendo alguma conversa, vai acontecer”.
Ao vivenciar um dos momentos mais terríveis da história recente de Cascavel, Meneghel confessa que teve medo de morrer: “Nesse momento a gente não pensa muito nisso. Pensei em fazer algo para que a situação fosse amenizada. Mas o medo de acontecer alguma coisa, todo mundo tem. Claro que eu tive esse medo”.
Segundo ele, seu auxílio foi importante para evitar que outras pessoas perdessem a vida. “Eu salvei vidas, salvei pessoas. Salvei um policial que estava preso lá dentro e ia ser morto. Salvei os agentes que ficaram rendidos. Não que eu tivesse o poder de mandar parar, mas sim o poder de mostrar que fazer aquilo estava errado”.
OUTRA VÍTIMA
“Quando fui rendido, pensei que iria morrer”
Quarenta e cinco horas de terror. Assim foi definida a rebelião da PEC nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 2014, por um dos agentes que estava dentro da unidade prisional quando ‘a cadeia virou’.
Segundo o homem, que por questões de segurança preferiu não revelar sua identidade, ele estava prestes a sair do trabalho quando ouviu barulhos dentro da unidade. “Foi tudo muito rápido. Quando eu e meus colegas percebemos, nada mais poderia ser feito. Eram muitos presos e estávamos em poucos agentes”.
Ele lembra que naquela noite, os detidos já estavam alvoroçados e de certa forma, tentaram camuflar toda a articulação. “Assim como acontece hoje, praticamente todos os dias recebemos a informação de que eles vão tomar a penitenciária e existia a informação que eles estavam se preparando. Mas como nada de concreto foi detectado, e todas as denúncias que eram levadas para a direção não eram levadas a sério, nada pode ser feito”.
Conforme o agente, quando se deparou com cinco homens já no corredor da unidade, não teve reação. “Quando percebi que havia sido rendido, pensei que ia ser morto. Nenhum agente penitenciário é bem visto pelos detentos. Eles dizem que são oprimidos, agredidos, ou qualquer outra coisa semelhante e tudo é motivo para se vingar”.
De acordo com o agente, que ficou pouco tempo na mira de estoques, cada uma das pessoas mortas ou gravemente feridas foram escolhidas a dedo. “Quando os detentos começaram a pegar os presos nas celas, já deveriam ter definido quem iria ou não morrer. Na lista deles tinha mais gente, mas felizmente a situação foi controlada e, tanto os presos quanto os agentes, conseguiram ser salvos”.
Processos
Após o motim, um inquérito policial foi instaurado e apontou que 36 pessoas tiveram envolvimento direto na articulação e realização da rebelião. Porém, passados três anos, nenhum dos culpados foi responsabilizado. O processo foi encaminhado para o Judiciário, que devolveu ao Ministério Público e que remeteu novamente à Justiça, que ainda não definiu se alguém, algum dia, será responsabilizado por tudo o que aconteceu.
Já na esfera civil, as famílias dos cinco presos mortos na rebelião, Sérgio Humberto de Mello, Juareci Gronowfki, Nadir Antônio Floriano, Gilson Bragança dos santos e Cicero Gomes Nogueira, aguardam posicionamento do Governo do Estado quanto às indenizações. Mas até agora, nenhuma delas recebeu recursos.
Vale lembrar que além das mortes, a penitenciária ficou destruída e 80% dela precisou ser reconstruída numa obra que foi concluída no ano passado e que custou aos cofres públicos do Estado R$ 2,4 milhões.