Quando tratamos do princípio da ordem de precedência, dissemos que o fluxo natural é o do posterior tomar do anterior. Assim, os pais tomam de seus pais, os filhos tomam dos pais, os irmãos mais novos dos irmãos mais velhos. Essa ordem, por vezes, fica invertida na família quando um posterior quer dar em vez de tomar do anterior. Isso acontece, diz Hellinger, “quando os pais querem tomar dos filhos e os filhos querem dar aos pais o que estes não tomaram de seus próprios pais ou do parceiro. Com efeito, nesse caso, os pais querem tomar como filhos, e os filhos querem dar como pais. Dessa maneira, o dar e tomar, em vez de fluir de cima para baixo, precisa ir contra a força do fluxo de gravidade, de baixo para cima. Contudo, esse dar, assim como num riacho que quer fluir para cima e vez de para baixo, não chega aonde quer chegar” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, Ariston eBook).
A imagem do fluxo de um rio é muito sugestiva para compreender por que é uma inversão fadada ao fracasso quando aquele que veio depois quer dar para aquele que veio antes em vez de tomar dele. À semelhança de um rio no qual a força da gravidade impede o rio de “subir”, um filho fracassa quando quer dar aos pais como se fosse seu igual ou mesmo superior a eles. Os pais, quando necessitam de algo, devem se dirigir aos seus próprios pais ou, então, ao seu parceiro (que é seu igual, em que o fluxo funciona como num rio que corre por uma planície).
Mais grave é a situação em que os pais se voltam aos filhos com solicitações que não correspondem à sua condição de filhos. Esse é caso, por exemplo, quando os pais compartilham com os filhos intimidades (algumas vezes até intimidades sexuais) ou quando os pais pedem que os filhos os consolem. Alguns pais, depois de separados de seu cônjuge, chegam a consultar a opinião dos filhos sobre o novo parceiro ou parceira que pretendem tomar. Essa atitude, afirma Hellinger, “significa uma inversão, uma perversão da relação, uma parentificação. Os filhos não são capazes de defender-se. São envolvidos e levados a uma solicitação pela qual, posteriormente, eles mesmos se punem” (Hellinger, B. Felicidad Dual, p. 60). E muitos pais ainda acham que consultar os filhos sobre o novo parceiro é um gesto de respeito a eles!
O que Hellinger quer dizer com “parentificação”? Significa que o filho adota o papel da mãe ou do pai. Quando esse comportamento é comum acontecer? Segundo Hellinger, quando o pai ou a mãe desse filho julgou e rejeitou seu próprio pai ou mãe. Nesse caso, os sentimentos que esse pai ou mãe teve em relação ao seu próprio pai ou mãe reaparecerá posteriormente em um dos filhos, que não conseguirá ser filho, pois se verá arrastado a adotar o papel de um dos pais. Em suma, quando um filho dá aos pais em lugar de tomar deles tende a causar sua própria infelicidade.
Como é possível perceber a “parentificação”? Hellinger oferece algumas indicações úteis: “Sentem-se os filhos responsáveis pelo estado emocional de seus pais? Tentam eles dar-lhes o que um de seus pais ou seu parceiro pode dar, mas não um filho? Sentem ou pensam, por exemplo, ‘se eu faço isto, minha mãe ficará doente’; ou ‘se não faço isto, meu pai nos deixará’?” (Hellinger, B. Felicidad Dual, p. 61).
Na próxima postagem falaremos mais sobre isso.
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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