DIREITO DA FAMÍLIA

Educação de janelas fechadas

O outro é literatura, na medida em que conforma um diálogo de horizontes. Por meio da relação, é possível compreender o olhar e o lugar do outro, através do que se chama de alteridade, enquanto pressuposto de interdependência com o outro. Este deve ser, aliás, aquele que provavelmente não converge com os pressupostos pessoais ou com concepções de mundo – aquele que desafia, na medida em que é diferente.

Tal elemento é crucial na escola, enquanto ambiente de abertura a múltiplas possibilidades de mundo e não como doutrinação ideológica, para conformação de corpos e mentes. O espaço de respiradouro para novas realidades, porém, entra em choque com as estruturas de algumas bolhas sociais. Dar vozes a pessoas invisibilizadas traz incômodo a setores sociais que se sustentam na estrutura da visibilidade seletiva.

Bolhas de pensamentos

Daí porque livros “subversivos” são rechaçados das escolas tradicionais, como “O avesso da pele” de Jeferson Tenório, sobre letramento negro, ou “O menino marrom”, de Ziraldo, sobre amizade inter-racial. Assim como as redes sociais têm estrutura algorítmica que favorece à formação de bolhas de pensamento (sociais, políticos, econômicos), está em pauta a educação domiciliar, denominada homeschooling (os estrangeirismos são moda na visão subalterna de terceiro mundo).

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais ou responsáveis legais têm a obrigação de dirigir a educação dos menores, o que não é permissivo legal para a “escola domiciliar”, visto que a educação é direito social que deve ser garantido pelo Estado. O papel dos pais, nos termos da lei, portanto, diz respeito ao acompanhamento das atividades escolares, bem como a transmissão de valores, crenças, costumes e modo de vida.

Dever familiar

Em decorrência do poder familiar, a família tem o dever de prover a educação, segundo a Constituição Federal, porém, em conjunto com o Estado e com a sociedade, sendo que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o homeschooling não é meio lícito para o cumprimento de tal dever pela família. Os pais são educadores no sentido de serem os vetores de transmissão dos valores familiares e de uma forma de ver o mundo. Porém, as crianças e adolescentes não podem ser limitados por um horizonte de compreensão da realidade, sob o risco de permanecerem em bolhas de pensamento.

Sob o argumento de individualização do ensino, conforme os interesses e motivações do estudante, em razão das falhas de ensino e aprendizagem da escola, advoga-se pela educação domiciliar, em continuidade às práticas elitistas que remontam a história colonial brasileira. Não se impede que os pais, portanto, definam os parâmetros de educação dos menores, desde que limitados pelo respeito aos direitos dos menores – a educação por meio da violência, por exemplo, não é permitida, na medida em que viola direitos das crianças e adolescentes, os quais sempre devem ser protegidos com absoluta prioridade.

Matrícula obrigatória

O que se proíbe com a vedação do homeschooling é a retirada do menor do sistema escolar. A matrícula em rede de ensino, pública ou privada, é obrigatória. Até porque a questão da educação vai além da transmissão de certos conteúdos científicos; a educação abrange também a socialização enquanto forma de pertencimento a uma comunidade, necessariamente, plural. Não se quer, portanto, a formação de bolhas, visto que estas são o germe de práticas antidemocráticas, ao limitar a formação de opinião ou o direito à informação. Elas fecham as janelas ao mundo exterior e não permitem uma boa mirada para além do horizonte.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito