Todos os dias, mais de 20 crianças e adolescentes são diagnosticados com câncer pelo SUS (Sistema Único de Saúde). O alerta é da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), que chama a atenção para a necessidade do diagnóstico precoce da doença que mais mata nessa faixa etária (até 19 anos).
Ao analisar os dados apresentados pelas Secretarias Estaduais de Saúde ao Painel de Monitoramento do Tratamento Oncológico (Painel-Oncologia), do Ministério da Saúde, a SBP identificou que mais de 41 mil crianças e adolescentes receberam resultados positivos de exames para identificar neoplasias desde 2013.
Para a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva, os números confirmam a importância da detecção do câncer em seus estágios iniciais, o que melhora as chances de cura, aumenta a possibilidade de sobrevida e impacta na qualidade de vida dos pacientes. “É importante valorizar as queixas das crianças e levá-las regularmente ao pediatra. Na maioria das vezes, elas sinalizam para doenças comuns da infância, mas em alguns casos pode ser uma condição mais séria”, pontua.
Segundo ela, o pediatra tem papel essencial no diagnóstico do câncer. Para tanto, considera fundamental que pais ou responsáveis realizem as consultas pediátricas regulares, visando à identificação precoce da doença. “Nas crianças, geralmente as doenças se apresentam com sintomas inespecíficos, semelhantes aos de transtornos comuns da infância. Isso pode levar a retardo no diagnóstico de câncer. Infelizmente, baseado nos dados dos registros consolidados, muitos pacientes no Brasil ainda são encaminhados aos centros de tratamento com a doença em estágio avançado”.
Diagnóstico
A presidente do Departamento Científico de Oncologia da SBP, Denise Bousfield, aponta para um fator relevante na análise do câncer infantojuvenil. Segundo conta, ao contrário do que acontece com a população adulta, em crianças e adolescentes não há evidências científicas, até o momento, de associação clara entre a doença e fatores ambientais. “Por isso, o diagnóstico precoce e o tratamento em centros de referência em oncologia pediátrica são tão importantes. O câncer nessa faixa etária deve ser diagnosticado e tratado o mais precocemente possível, pois comparativamente com adulto, ele tende a apresentar menores períodos de latência, crescer quase sempre rapidamente e ser geralmente invasivo”.
Ela enfatiza que a sobrevida estimada no Brasil por câncer na faixa etária até os 19 anos é de 64%, segundo o Inca.
Painel-Oncologia vira novo aliado
O Painel-Oncologia surgiu para garantir um melhor acompanhamento epidemiológico das neoplasias no Brasil e monitorar o cumprimento da Lei 12.732/2012, que estabelece o prazo de 60 dias para o início do tratamento do paciente com neoplasia maligna comprovada.
Os dados são oriundos do SIA (Sistema de Informação Ambulatorial) – através do Boletim de Produção Ambulatorial Individualizado (BPA-I) e da Apac (Autorização de Procedimento de Alta Complexidade) -, do SIH (Sistema de Informação Hospitalar) e do Siscan (Sistema de Informações de Câncer), geridos pelo Ministério da Saúde em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
A operacionalização do sistema se dá a partir de informações diagnósticas histopatológicas de casos de câncer, com base em critérios definidos pela Portaria MS/SAS 643/2018, que tornou obrigatório o registro de CID-10/ (Cartão Nacional de Saúde e da Classificação Internacional de Doenças) no procedimento “exame anatomopatológico para congelamento/parafina por peça cirúrgica ou por biópsia (exceto colo uterino e mama)”. Também são observados parâmetros da Portaria MS/SAS 202/2019, que compatibiliza os códigos da CID-10 com o procedimento “exame anatomopatológico para congelamento/parafina por peça cirúrgica ou por biópsia (exceto colo uterino e mama)”.
No primeiro ano de monitoramento da plataforma, 2013, foram 5.138 casos diagnosticados no Brasil e, ano passado, foram 9.261. Segundo o Inca, a estimativa é de que o número real seja próximo de 12.500 novos casos de câncer infantil por ano.
Para o instituto, o número absoluto de casos apresentados no painel tende a aumentar com o tempo, considerando a obrigatoriedade da CID no procedimento anatomopatológico, implementada em maio de 2018, e também o processo dinâmico de envio mensal de arquivos do SIA, SIH e Siscan.
Não estão contemplados na base de dados os casos diagnosticados fora da rede pública.
Achados
Do ponto de vista de distribuição geográfica, o número de diagnósticos do câncer tende a acompanhar a proporção populacional e também a oferta de serviços especializados, como as Unacon (Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e os Cacon (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia). Atualmente existem 317 unidades e centros de assistência habilitados no tratamento do câncer.
Pela avaliação da SBP, entre 2013 e novembro de 2019, os estados que registraram maior número de diagnósticos foram São Paulo (8.257), Minas Gerais (4.038), Paraná (2.897) e Rio Grande do Sul (2.720). No outro extremo aparecem Amapá (com 69 diagnósticos), Roraima (109), Sergipe (151) e Acre (166).
“Essa distribuição atesta a necessidade de ampliar o acesso das populações das regiões menos desenvolvidas e distantes a centros especializados para o diagnóstico e o tratamento do câncer. O cenário atual reforça ainda o quadro de desigualdades na área da saúde e tira chances de cura e de sobrevida para milhares de crianças e adolescentes que não conseguem fazer exames ou ter a atenção de especialistas”, disse a presidente da SBP, , Luciana Rodrigues Silva.
Os números mostram ainda que, no período avaliado, os diagnósticos mais recorrentes anos foram de leucemia linfoide (7.838), neoplasia maligna do encéfalo (3.336), doença de Hodgkin (2.724) e leucemia mieloide (2.632). Para essa faixa etária, a modalidade terapêutica mais indicada foi a quimioterapia (26.564), seguida de cirurgia (5.458).
“O avanço da ciência e da tecnologia atestam que o câncer afeta crianças e adolescentes, mas com um alento: quão mais cedo é feito o diagnóstico, melhores são as possibilidades de evolução para um prognóstico positivo. Daí a relevância desses números: chamarem a atenção dos brasileiros e das autoridades para as medidas que podem e precisam ser tomadas com urgência para preservar a vida e a saúde de quem é responsável pelo futuro da Nação”, acrescenta Luciana.