Cotidiano

Juiz não pode ter medo de desagradar, dizem juristas sobre projeto de abuso de autoridade

66012722_ECO Brasília BsB DF 28-03-2017 - O procurador-geral da República Rodrigo Janot saindo da r.jpgBRASÍLIA – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou na terça-feira ao Congresso Nacional uma proposta alternativa do Ministério Público Federal ao projeto de lei sobre abuso de autoridade que tramita no Senado. A tentativa dele é proteger juízes e investigadores de serem criminalizados por divergências na interpretação da lei. Integrantes da Lava-jato avaliam que o texto dado pelo senador Roberto Requião (PMDB-RS) para o projeto permite que haja punição para o chamado ?crime de hermenêutica?, ou de interpretação, o que poderia inviabilizar investigações. O texto de Requião deve começar a ser analisado nesta quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. (Abuso de autoridade: Entenda o que está sendo discutido)

abuso de autoridade

Diferentemente do MP, o Senado propõe, por exemplo, punição para quem decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado ?manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo?. As conduções coercitivas ganharam destaque depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado forçadamente para depor na Lava-Jato.

Outras divergências são mais sutis, como o uso de algemas. Tanto o senador quanto o procurador querem regulá-lo, mas enquanto Requião considera abuso usá-las sem que haja inequívoca tentativa de resistência à prisão, o procurador diz que algemas só não devem ser usadas com o ?fim deliberado? de constranger o preso.

Veja a opinião de dois juristas sobre as propostas sobre abuso de autoridade discutidas no Congresso.

JUIZ NÃO PODE TER MEDO DE DESAGRADAR

“Uma coisa que você não pode punir é o mérito das decisões judiciais. Para um Estado de Direito, a pior coisa que pode existir é o juiz com medo de ser processado se desagradar alguém. Existem recursos, e esse é o procedimento pelo qual se corrigem os erros. No artigo 26 (do projeto do Janot), o texto deveria parar depois de ?fundamentada?. A ideia é que você só pode processar alguém se tiver elementos que te permitam. Não pode processar com impressão, sem ter apoio material. Da forma como o Janot escreveu, a punição só acontece se processar alguém que você tem certeza que é inocente, e isso só vou saber ao logo do processo. O crime tem que ser processar alguém sem ter fundamento, um mínimo de elementos materiais. Sou muito cético em relação a eficácia dessa lei com a atuação do próprio Ministério Público. Não tenho dúvida de que vai haver processos contra juízes, parlamentares, mas tenho dúvidas se o MP vai ser capaz de processar os próprios membros”, observa Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio.

MUDANÇAS MELHORAM PROPOSTAS DE ABUSO

“No projeto do Renan (Calheiros) ficou claro um viés de perseguição ao Ministério Público e à Lava-Jato. O texto inicial deixava a s definições sobre crimes muito em aberto e dava margem para criminalizar por crime de interpretação. As interpretações são sempre divergentes, e todos os magistrados e promotores poderiam ter a conduta criminalizada. Já as tipificações penais muito abertas costumam trazer mais insegurança. No campo da investigação, tende a trazer impunidade, porque o magistrado, com medo de colher provas, vai conduzir o processo penal de maneira inadequada . Quanto à condução coercitiva, é uma prática que não pode ser criminalizada. É um mecanismo que, se utilizado dentro dos mecanismos legais, é importantíssimo para ter acesso aos depoimentos de testemunhas. Acho que são adaptações interessantes para a proposta”, opina Rafael Oliveira, professor de Direito Administrativo do Ibmec/RJ.