Cotidiano

Há sete pretendentes para cada criança apta à adoção

Quanto mais velha a criança, mais difícil de ser adotada

Foto: Aílton Santos
Foto: Aílton Santos

Cascavel – Apesar dos avanços, a adoção de crianças ainda é um assunto cheio de tabus e a burocracia tem feito com que centenas (ou até milhares) de crianças e adolescentes cresçam em abrigos à espera de um lar. O problema é que, quanto mais velhas, mais difícil se torna para serem adotadas.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça e com base nos dados no Cadastro Nacional de Adoção, o Paraná tem hoje 3.661 pretendentes habilitados a um contingente de exatas 994 crianças cadastradas para adoção, das quais 518 já completamente livres para ingressarem em um novo lar.

Especialista em adoção e autora do livro “Te amo até a Lua”, a jornalista Ana Davini afirma que o problema está na burocracia. “A Justiça nega um direito básico que toda criança tem de acordo com a Constituição, que é ter uma família”.

Apesar da condição vivida hoje pelo Paraná, essa ainda é uma das melhores condições em todo o Brasil. As crianças no processo de adoção no Estado representam 10,5% do número nacional. Em todo o País existem hoje 55 mil menores sem lar, uma verdadeira cidade do tamanho de Marechal Cândido Rondon. Desse total, 9.434 estão inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, sendo 4.995 deles já completamente liberados para a adoção.

Segundo a jornalista, entre os entraves que impedem a liberação para a adoção estão tentativas – muitas vezes frustradas – de reinserção desses menores às suas famílias consanguíneas, e, se não aos pais, a parentes biológicos. “Muitos juízes têm medo de acelerar a destituição do poder familiar e cometer injustiças ou serem penalizados. Então a saída para eles é deixar a criança lá”, lamenta.

Mas se no Estado a conta da adoção não fecha, com sete pais pretendentes para cada criança ou adolescente apto a ser presenteada com um novo lar, no Brasil a proporção é ainda maior. Das quase 5 mil crianças liberadas para adoção, existem 45.877 pais esperando por elas. Ou seja, são mais de nove pretendentes para cada criança ou adolescente em processo de adoção. “As autoridades da Infância e Juventude insistem em um discurso recorrente que responsabiliza os pretendentes a pais pela lentidão dos processos, afirmando que eles supostamente só querem meninas recém-nascidas brancas enquanto deveriam focar na adoção tardia. Porém, os números do próprio Conselho Nacional de Justiça mostram o oposto”, afirma a jornalista.

Outro problema levantado pela jornalista enquanto buscava subsídios para seu livro é a falta de integração entre cadastros municipais e estaduais com o cadastro nacional de adoção. “Essa integração é extremamente importante para que haja cruzamentos eficazes e ambas as partes possam se encontrar. Além disso, a morosidade para a definição da situação jurídica de cada residente de um abrigo é inexplicável e extremamente preocupante – ela, sim, é a grande vilã por essa triste situação de abandono”.

A pretensão de quem adota

É verdade que os pretendentes à adoção só querem crianças brancas, recém-nascidas e sem problema de saúde? A pesquisa da jornalista Ana Davini derruba essa teoria. “Apenas 15% dos pretendentes aceitam exclusivamente crianças brancas, enquanto 83% também aceitam pardas, 56% negras e 50% de todas as etnias. Para se ter uma ideia, os 4.683 pardos atualmente cadastrados – que representam 46,6% do total [no Brasil] – são desejados por 37.983 pessoas. Dá e sobra… Além disso, quase 65% dos candidatos são indiferentes ao gênero da criança e existem suficientes para adotar todas de até 10 anos de idade. É só a partir dessa faixa etária que a proporção interessados/crianças se inverte”.

Em 22 de novembro de 2017 foi sancionada a Lei 13.509, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente no que se refere à adoção. O objetivo foi formalizar prazos que antes eram impossíveis de calcular, já que a Lei 12.010, de 2009, conhecida como Lei Nacional de Adoção, era vaga em alguns tópicos, como o tempo para habilitação dos pretendentes a pais adotivos. Depois disso, entre outras mudanças, o período máximo de acolhimento institucional passou a ser de um ano e meio, com reavaliações da situação dos abrigados a cada três meses. Além disso, recém-nascidos abandonados em maternidades que não forem reclamados por alguém de suas famílias biológicas em até 30 dias serão encaminhados automaticamente à adoção.

Para a jornalista, resta saber se essas alterações já foram colocadas em prática. Naquele mesmo ano de 2017 o Conselho Nacional de Justiça também anunciou a implantação de um novo Cadastro Nacional que permitiria uma busca mais ampla e rápida de famílias para as crianças e os adolescentes que vivem em abrigos, graças à unificação dos cadastros municipais e estaduais e a novas tecnologias. Mas tudo ainda depende da aprovação da Corregedoria da entidade e ninguém sabe quando isso acontecerá.

Reportagem: Juliet Manfrin