Em futebol, construir um bom ambiente e ganhar a confiança dos jogadores ajuda. E é fato que o ambiente da seleção brasileira melhorou, comparando-se a passagem de Dunga com a de Tite. Vitórias também dão confiança a qualquer time. Mas a transformação da seleção, que hoje ganhou o apoio da torcida, vai além de aspectos ligados à motivação. Na parte tática, a transição também trouxe transformações importantes. O GLOBO mostra algumas delas.
A HERANÇA E OS PROCESSOS
Em futebol, por mais que rupturas bruscas nunca sejam ideais, há lições que se aproveitam de um trabalho para outro. E é justo dizer que Tite herdou aspectos do trabalho de Dunga. Seja simplesmente por ter mergulhado na observação dos jogos, seja por receber jogadores habituados à seleção. Afinal, dos 23 jogadores convocados para a partida no Uruguai, dezesseis foram selecionados por Dunga em sua última passagem no cargo.
O QUE NÃO FUNCIONAVA
No início de seu trabalho, Dunga tinha em mãos uma equipe dependente do jogo de velocidade, do contra-ataque quando tinha o espaço. Era reflexo de um vício do futebol brasileiro, que encomendava seu destino à individualidade dos atacantes. Na reta final, quando tentou apostar na transição para um jogo de mais posse de bola, sofreu com a falta de mecanismos para fazer o time construir desde a defesa e chegar à área rival. Na Copa América dos Estados Unidos, o Brasil acumulava tempo de posse e número de passes, mas não era efetivo no ataque.
MOLDE CORINTHIANS E O 4-1-4-1
Dunga trabalhou boa parte do tempo no 4-2-3-1, com dois volantes alinhados. Aos poucos, foi migrando para 4-1-4-1. Em março de 2016, contra o Uruguai, teve Luiz Gustavo de único volante, com Fernandinho e Renato Augusto à frente dele. Ao assumir, com pouco tempo e com a seleção precisando de resultados, Tite optou pelo esquema que mais domina, o 4-1-4-1 do Corinthians campeão brasileiro de 2015. Escolheu jogadores de melhor condição técnica e que se adaptassem ao modelo. Casemiro passou a ser o único volante, como era Ralf no Corinthians. À frente, na linha de 4, Philippe Coutinho, após barrar Willian, virou o meia pela direita, com liberdade para buscar o meio. Exatamente como Jadson no Corinthians. Na esquerda, joga Neymar, com característica de atacante, assim como era Malcom no time paulista. Pelo centro, Renato Augusto repetia sua função no time campeão de 2015. Tem ao lado Paulinho, habituado a trabalhar com Tite e capaz de marcar e de se aproximar do ataque, como Elias. A execução, é claro, foi facilitada por ter, na seleção, os principais jogadores do país.
A SAÍDA DE BOLA E AS LINHAS DE PASSE
Para fazer a bola sair da defesa e chegar ao ataque através de passes e triangulações, era preciso criar alternativas de saída de bola, uma dificuldade de Dunga. A seleção passou a ter, ao menos, três jogadores fazendo a saída da bola. Pode ser com um dos laterais alinhado aos zagueiros; pode ser com Casemiro junto aos defensores ou se movimentando para ser opção de passe; ou, ainda, com o recuo de um dos meias, Paulinho e Renato Augusto, para iniciar jogadas. A partir daí, o jogo se orienta para a aproximação de jogadores perto do homem da bola, criando sempre, ao menos, duas opções de passe. A troca de passes horizontal perto da zona defensiva busca encontrar espaço entre as linhas de marcação rival. Quando ocorre, dá lugar a um passe vertical, e o jogo ganha ritmo mais veloz.
PAULINHO E RENATO AUGUSTO
Jogadores que aliam capacidade de marcação, presença física e o poder de dar à seleção boa transição da defesa ao ataque se tornaram fundamentais. Ajudou o fato de conhecerem bem os conceitos táticos de Tite. Além de ajudarem na saída de bola, surgem sempre como opções de passe quando as jogadas nascem pelas laterais do campo. O que permite as triangulações que Tite preza como base de seu jogo: Renato Augusto junto a Marcelo e Neymar, ou Paulinho com Daniel Alves e Coutinho. Na transição, ajudam a circular a bola e a fazer o time ter, por vezes, nove jogadores no campo defensivo e, rapidamente, surgir com oito ou nove no ataque.
O LUGAR IDEAL PARA NEYMAR
Encontrar posição e função que tirassem o máximo de Neymar sempre foi um desafio para Dunga, que o usou de, pelo menos, três formas distintas (como mostra o infográfico abaixo). Tite, ao colocá-lo pelo lado esquerdo da segunda linha de quatro homens do 4-1-4-1, conseguiu ter um definidor e um preparador de jogadas. Contribuiu, também, o melhor funcionamento coletivo de todo o time. Aos poucos, além de ser o atacante incisivo pela esquerda, que também busca a área para finalizar, o técnico vem ampliando as ações do astro do Barcelona. Neymar passou a fazer o que Tite chama de ?flutuação?, e que era exclusividade do homem que jogava aberto pela direita ? primeiro Willian, depois Philippe Coutinho. Trata-se de vir pelo meio para confundir a marcação e participar da armação de jogadas. No Uruguai, Neymar iniciou o lance do gol de Paulinho.